Em 2005, a coordenadora da Área Técnica de Saúde da Mulher do Ministério da Saúde, Maria José de Oliveira Araújo, foi uma das 52 brasileiras selecionadas para concorrer ao Prêmio Nobel da Paz. Seu nome figurou numa lista de mil mulheres de 153 países, entregue ao Comitê de Nomeações do Prêmio pelo projeto “1000 Mulheres Prêmio Nobel da Paz 2005”, idealizado pela antropóloga Ruth-Gaby Vermot, deputada do partido socialista da Suíça. “Foi uma grande honra”, diz ela.
A indicação foi fruto de uma longa trajetória de luta feminista. Maria José de Oliveira Araújo nasceu em Teofilândia, na Bahia. Formada em Medicina em 1975, concluiu Mestrado em Saúde Materno-Infantil pela Sorbonne, Paris, em 1977. Em 1984, foi uma das fundadoras do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, em São Paulo, uma organização não governamental que desenvolve um trabalho de atenção primária à saúde da mulher com uma perspectiva feminista e humanizada, além de oferecer treinamento a profissionais de diversas áreas. “Queria mostrar que poderíamos criar um modelo mais humano de cuidados da saúde”, relembra. O Coletivo logo se transformou numa poderosa organização política, modelo de referência para o movimento em prol da saúde mulher.
Maria José ficou à frente do Coletivo por 15 anos. Foi também coordenadora da Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos e da Coordenadoria de Saúde da Mulher do município de São Paulo durante dois governos – o de Luíza Erundina e o de Marta Suplicy. Em 2003, foi convidada pelo Ministério da Saúde a desempenhar a função de coordenadora da Área Técnica de Saúde da Mulher. Foi ela quem implementou, pela primeira vez no país, o serviço de aborto para os casos previstos em lei em hospitais públicos.
Outro fato importante de sua extensa biografia: a médica foi uma das 80 lideranças da área da saúde de todo o mundo presentes ao 5º Encontro Internacional Mulher e Saúde, em 1985, na Costa Rica, onde ficou estabelecido que o dia 28 de maio seria o Dia Internacional de Luta pela Saúde da Mulher. Para ela, a data deu mais visibilidade à questão das altas taxas de mortes maternas no país. ”A data deu uma visibilidade que a questão necessitava”, diz ela.
Embora acredite que o país esteja no caminho para a solução de problemas como o dos altos índices de mortes maternas, ela não acredita ser possível para o governo atual reduzir este índice em 15% até 2007. “Minha previsão, infelizmente, é de que fique em torno dos 10%. A questão envolve muitos problemas”, explica ela, nesta entrevista.
Como coordenadora da Área Técnica de Saúde da Mulher do Ministério da Saúde, em sua opinião, qual a importância de se comemorar o dia 28 de maio como Dia Internacional de Luta pela Saúde da Mulher e Dia Nacional pela redução da morte materna e neonatal?
É importante se comemorar este dia porque a partir desta data houve maior sensibilização em relação à morte de mulheres.. Antes, as pessoas não se davam conta dos altos índices de mortes maternas no país. A data deu uma visibilidade que a questão necessitava. A primeira causa no Brasil de morte materna é a hipertensão, a segunda a hemorragia, a terceira puerperal e a quarta causa é o aborto provocado em condições inseguras. Causas que praticamente não encontramos mais em países desenvolvidos. No Brasil, estes dados só se tornaram visíveis após o estabelecimento desta data. Hoje em dia, realizamos debates, seminários e cursos para tratar diretamente do assunto.
A sra. diria que o Brasil de hoje possui um modelo mais humano de atenção à saúde da mulher?
Sem dúvida. A partir de 2003, o Ministério da Saúde tem feito esforços no sentido de aumentar o acesso a métodos contraceptivos. Existe também o Pacto Nacional pela redução da morte materna e neonatal, dentro do qual uma das estratégias mais importantes é a formação das principais maternidades do país na atenção obstétrica e neonatal humanizada, baseada em evidências científicas. Constatamos, por exemplo, que procedimentos como a episiotomia – corte cirúrgico na vagina da mulher antes do parto – não são necessários. O Ministério da Saúde já capacitou 280 maternidades principais do país para uma mudança de paradigmas no modelo de obstetrícia, que vão desde a diretoria até o setor de enfermagem da unidade. Até agora já formamos 1.400 chefes nestas áreas. Além disso, hoje, dia 30 de maio, estamos lançando a Campanha Nacional de Incentivo ao Parto Normal e Redução da Cesariana Desnecessária.
Que ações estratégicas têm sido desenvolvidas nessa área, nos últimos anos, em relação às temáticas relativas aos direitos sexuais e reprodutivos, como aborto e contracepção, e à violência contra a mulher?
Em relação à violência contra a mulher, temos atualmente um projeto nos níveis estaduais e municipais de criação de uma rede integrada de atenção a mulheres e adolescentes vítimas de violência sexual, composta por escolas e os IMLs (Instituto Médico Legal) da região. Também ampliamos a norma técnica de atenção aos agravos decorrentes da violência sexual contra mulheres, estabelecida em 2000. No que concerne aos direitos reprodutivos, o Ministério da Saúde triplicou os gastos com métodos contraceptivos a serem enviados aos estados. Elaboramos um manual de contracepção de emergência sobre os casos de aborto previstos em lei direcionado aos profissionais de saúde.
O Brasil possui alta taxa de mortalidade materna, muito acima dos níveis considerados aceitáveis pela OMS. Quem são os responsáveis por essas ocorrências, levando em conta que mais de 90% dos partos no Brasil acontecem em hospitais? Que fatores propiciam essa situação?
Uma série de questões, que vão desde a falta de organização e negligência dos serviços de saúde às práticas inadequadas dos profissionais da área. Também não podem ficar de fora as condições precárias de trabalho desses profissionais. Por outro lado, muitas mulheres ainda não têm sequer acesso ao pré-natal. Não existe só uma causa, a morte materna é a morte de mulheres pobres.
Que avaliação a sra. faz do Pacto Nacional pela redução da morte materna e neonatal? O governo federal espera reduzir em 15% a taxa de mortalidade materna até o final de 2006. Quais as suas expectativas em relação a essa meta?
O Pacto deu visibilidade para a questão, obrigou os estados a pactuarem e fazerem seus planos estaduais de redução da morte materna. Em 2004 reduzimos a morte materna em 8%. Porém, a morte materna é mais difícil de reduzir do que a morte neonatal, porque ela envolve muitos problemas, como a má alimentação das mulheres pobres, por exemplo. Quanto à meta esperada de redução, minha previsão, infelizmente, é de que fique em torno dos 10% até 2007. Isto não é tudo que precisamos, mas é um bom resultado.
Outro grande problema de saúde pública são os altos índices de mortes causadas pelo aborto clandestino, em geral, realizados em condições precárias e inseguras. Como está a questão atualmente ? A sra. acha que o país vai tomar em relação à descriminalização do aborto?
No campo da saúde, avançamos muito em relação à questão do aborto. Conseguimos tirar da norma técnica a obrigatoriedade no boletim de ocorrência e aumentamos o serviço de aborto legal. Por outro lado, no campo político, acho difícil qualquer proposta pró-descriminalização do aborto avançar este ano, por ser este um ano eleitoral. Os deputados não querem se comprometer.
A restritiva legislação atual e os números altos de abortos clandestinos não representam prejuízo à saúde das mulheres e aos cofres públicos?
O fato de ser criminalizado não reduz o número de aborto ou de mortes maternas. As mulheres fazem aborto de qualquer jeito. Os métodos anticoncepcionais muitas vezes falham. Então não adianta proibir. Quanto mais se proíbe, mais mulheres pobres morrem. A segunda causa de internação no Sistema Único de Saúde (SUS) são as curetagens pelo aborto, e isto custa dinheiro e também prejuízos à saúde das mulheres. Não se sabe quantas vão ficar estéreis ou com seqüelas.