O livro “Homossexualidade e Adoção”, de Anna Paula Uziel, e a coletânea de artigos “Conjugalidade, parentalidades e identidades lésbicas, gays e travestis”, organizada por Miriam Grossi, Anna Paula Uziel e Luiz Mello, editados pelo CLAM/Editora Garamond, foram lançados na segunda-feira, 8 de outubro, no Rio de Janeiro. O lançamento das duas publicações foi precedido por um debate que reuniu Anna Paula Uziel e os antropólogos Maria Luiza Heilborn e Peter Fry, que fizeram uma análise crítica dos estudos atuais sobre homossexualidade, os quais abordam temas como a parceria civil e a homoparentalidade – bandeiras de luta dos movimentos GLBT no contexto atual.
Peter Fry chamou a atenção para a necessidade dos movimentos GLBT de tentar transformar em vantagem o que ele chama de “desvantagem estrutural”. “Há trinta anos, as palavras de ordem dos primeiros movimentos gays acentuavam o prazer sexual. Nos últimos anos, as demandas da parceria civil e da homoparentalidade foram acrescentadas às questões de identidade sexual”. O professor do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IFCS/UFRJ) ressaltou, no entanto, que cabe à antropologia pensar tais transformações de maneira mais independente, distanciada dos interesses mais imediatos destes movimentos sociais.
O antropólogo problematizou essas demandas, situando-as entre o que pode significar uma submissão à heteronormatividade ou uma luta pela garantia de direitos. “Por sua vez, o poder Judiciário acaba abrigando todos os novos arranjos familiares e de direitos, como o direito à pensão do companheiro ou companheira e a criação de planos de saúde para esses casais. Essa tentativa de normalização e normatização de uniões de casais monogâmicos gera uma tensão entre se submeter à heteronormatividade e a garantia de direitos”, observou o autor do livro “Para inglês ver” e “O que é homossexualidade”.
Para Maria Luiza Heilborn, professora do Instituto de Medicina Social (IMS/UERJ) e coordenadora do CLAM, embora a produção acadêmica e o interesse sobre os temas da homoparentalidade e da homoconjugalidade tenham aumentado – há vinte anos, lembrou a antropóloga, somente dois textos (Carmem Dora Guimarães e Peter Fry) eram citados – cobrir esse campo é tarefa exaustiva. “O tema é atraente porque suscita posicionamento político, apesar da idéia preponderante de que o modelo de conjugalidade seja o modelo ideal”.
“É importante levar em conta que, se de um lado existe a ética de se conseguir o que os casais heterossexuais dispõem, essas demandas se inserem em uma sociedade que não provê a todos os indivíduos seus direitos”, assinalou.
Autora da obra “Dois é par: gênero e identidade sexual em contexto igualitário” (CLAM/Editora Garamond), Maria Luiza também chamou a atenção para o fato de os trabalhos sobre homoparentalidade, em geral, ainda se referirem às lésbicas, enquanto os estudos sobre homoconjugalidade dizem respeito aos gays. “Nesse imaginário, o sexo integra como prioridade básica o espectro das preocupações dos gays, e por sua vez, quando se fala em homoparentalidade feminina percebe-se um ‘excesso’ de maternidade. É como se houvesse ainda uma espécie de lente cor-de-rosa enxergando a dinâmica da homossexualidade”, criticou a pesquisadora.
Anna Paula Uziel sublinhou: “As demandas de conjugalidade e parentalidade podem significar uma busca de mais uma normatização do Estado? Pode ser, mas também pode significar um marco para passarmos a pensar família sobre outro ângulo, outros aspectos”. Autora de “Homossexualidade e Adoção” – fruto de sua tese de doutorado em Ciências Sociais – e uma das organizadoras da coletânea “Conjugalidade, parentalidades e identidades lésbicas, gays e travestis” – junto com a antropóloga Miriam Grossi (UFSC) e com o sociólogo Luiz Mello (UFG) – Anna Paula Uziel, professora do Instituto de Psicologia da UERJ, salientou que em 1998, quando começou a estudar o tema, a discussão era ainda bastante embrionária.
“Minha idéia era relacionar a psicologia jurídica com a questão da homossexualidade. Naquela época ouvi alguém dizer: ‘Homossexual adotar uma criança é como comer bife de soja’, por ser algo fora do comum. Em 2002, enquanto ainda me dedicava à pesquisa, uma juíza disse que entre um pai bêbado e uma mãe lésbica ela preferia entregar a criança aos cuidados da mãe lésbica, desde que esta não coabitasse com sua companheira. Por sua vez, como representação desse discurso há uma certa feminização do homem que quer adotar sozinho uma criança – é preciso que ele seja maternal. Até as mães deles eram entrevistadas para provar essa característica”, lembrou Anna Paula.
A psicóloga também relatou que, se este homem tivesse um parceiro, na análise da equipe técnica isto representava um risco maior para a criança do que se ele estivesse sozinho. Se morassem juntos havia um medo da equipe técnica em conceder a adoção. “É mais natural uma mulher que queira adotar sozinha. A adoção por homens despertava interesse. Ainda é preciso desnaturalizar a maternidade”, observou Anna.
Ao fazer a chamada de artigos para a coletânea, a psicóloga lembrou ter recebido 31 artigos. “A coletânea apresenta um campo de estudo que traz um desafio: pensar quais outros assuntos podem ser agregados aos que enfocamos, como raça e etnia e religião”, concluiu.
Maria Luiza Heilborn elogiou o fato de a coletânea “Conjugalidade, parentalidades e identidades lésbicas, gays e travestis” reunir textos de profissionais de diversas áreas e com diferentes maneiras de interpretar a problemática enfocada na publicação. “Em seu artigo, o juiz Roger Raupp Rios fala em um direito democrático da sexualidade e formula possibilidades de parecerias na vida cotidiana. São temas de enorme impacto social, porque dizem respeito às conquistas individuais”, avaliou.