*Analba Brazão Teixeira
Semana passada o Brasil acompanhou de perto o seqüestro que culminou com a morte de Eloá. Uma Adolescente de apenas 15 anos de idade, que morreu por que decidiu não reatar o namoro com Lindemberg. A tragédia anunciada se transformou numa briga pela audiência da imprensa televisiva e escrita, em que em nenhum momento, ao longo da sensacionalista cobertura do “caso Eloá” a imprensa classificou como mais um caso de Violência contra as Mulheres, que estava preste a entrar na contagem dos homicídios sofridos por mulheres que resolvem não reatar os namoros, casamentos. Será que não se reconheceu como violência contra as mulheres, pelo fato dela só ter 15anos?
Lindenberg passou a ser o centro de atenção de todos e de todas e mais uma vez uma atitude extrema de machismo é levada para o plano da patologia. O ciúme, a posse e a honra ganham o nome de “amor” de decepção amorosa, em que Eloá de Vítima passa a ser quase tratada como algoz, na boca de análises de psicólogas colocadas no ar “Se ela tivesse aceitado dialogar, nada disso teria acontecido”.
Pelo contrário, o algoz de Eloá e Naiara, a todo instante era enaltecido: Qual o perfil de Linderberg? Bom rapaz, trabalhador, amigo de todos, “era apenas um pouco ciumento”. E se chegou a este extremo é porque possui alguma patologia, dizia outro psiquiatra. Como reconhecemos as características desta patologia que uma pessoa carrega para cometer um crime como esse? Pergunta feita por apresentadores de programas televisivas.
Patologia? Ou ele não agüentou “perder” o controle que queria ter da vida de Eloá? Ou sentiu a sua “honra maculada” por que Eloá,não queria continuar o namoro que ele próprio terminara?
O que acompanhamos foi estarrecedor e nos mostrou como ainda é tratada no Brasil a violência contra as mulheres. O que nós feministas chamamos de “posse” arraigada na cultura machista, a imprensa chama de decepção amorosa. O que se reconheceu foi “a legítima dor de amor dele por Eloá”, numa tentativa forçada de transformar um seqüestro em novela, de proteger um criminoso que atentava contra a vida de uma mulher indefesa, de romantizar um crime. Resguardado por sua dor, Lindembergue foi capaz de torturá-la por horas a fio, de adiar um desfecho previsto e planejado para exaltar-se diante de seu sofrimento, contínuo, prolongado e, graças às tecnologias da comunicação ,teve público. Sim, a agonia da menina de 15 anos foi transmitida ao vivo,entrecortada por flashes e entrevistas pungentes de programas de auditório sensacionalistas. Os mesmos que enaltecem a carreira ascendente de ex-participantes de reality shows e celebridades com alcunha de fruta ou legume. Linderberg era a estrela do momento, dono total da situação em que duas vidas (Eloá e Naiara) corriam um risco real. E Linderberg perguntava: Qual é o canal de televisão que está me entrevistando?
Este é realmente o papel da mídia, aconselhar o seqüestrador? Será que se Eloá fosse de uma família de Posses, o tratamento sensacionalista em que a vida dela estava em risco teriasido o mesmo? Questões para refletirmos diariamente.A mesma mídia, agora, faz outro tipo de sensacionalismo com a doação de órgãos, tentando transformar Eloá em Santa. Assim, desconsideram mais uma vez o absurdo de sua morte. E desconsideram que nós, mulheres, não queremos ser santas. Nós, mulheres, queremos viver. E viver com autonomia, com liberdade.
Acompanhamos,ao longo de toda a trama televisionada a uma sutil (e branda) retomada do velho e gasto argumento da ‘violenta emoção’. Tão em voga nos anos 70. O mesmo que levou Doca Street a atirar no rosto de Angela Diniz. Sim, as dores de“amor” matam, ou melhor dizendo, a dor da rejeição da perda da posse, mata. E já o fizeram, por muito tempo, impunemente. Não foi à toa que o slogan’Quem ama não mata’ ganhou cartazes e ruas há mais de duas décadas e continua tão presente nos nossos dias.
Tiro no rosto, tiro na virilha, que isso significa? Por que quase sempre essas são as partes do corpo escolhidos nos casos de homicídios nas relações afetivo-conjugal? Podemos pensar que no caso da rejeição e da perda do ser amado”, os homens impulsionados pelas marcas de uma cultura sexista e patriarcal, tem que aniquilar as possibilidades de realizar o prazer e o desejo do outro.
Não podemos deixar de assinalar também o papel desastroso da polícia, que teve um empenho total na garantia da vida do assassinato. A polícia se condescendeu com o algoz e entregou à ele a vida das duas meninas. A todo tempo, o comandante da operação manifestava preocupação em que Linderbegue não estragasse sua vida, em detrimento das duas vidas das mulheres. Afinal de contas o bom moço não tinha antecedentes, era uma ótima pessoa e estava apenas sofrendo de uma decepção amorosa. Qual era a negociação de Linderbergue? A vida de Eloá.
Não é por acaso que o Brasil possui uma Lei que pune crimes de violência doméstica, que, aliás, traz o nome de uma mulher vítima desta mesma sorte de ‘amor’, sendo alvo de duas tentativas de assassinato cometidas pelo então marido. Uma história tristemente comum, que, talvez, se distinga apenas porque Maria da Penha, sim, conseguiu sobreviver.
Mas, muitas não tiveram e não tem a mesma sorte. Eloás, Vandas, Angelas, Rosângelas, Mirians, Reginas, Robertas, Marias.Morreram e morrem indefesas, dentro de suas próprias casas, agredidas, surradas e humilhadas por aqueles que, sob o pretexto do amor, disciplinam aqueles corpos sobre os quais acreditam ter direitos. Isto acontece porque vivemos numa sociedade que ainda concebe que, se um homem alega amar uma mulher, ou se tiveram ou tem algum acerto de conjugalidade, isto lhe dá direitos sobre a vida dela.
Em nome de uma suposta ‘honra’ masculina, que, quando ameaçada, insurge ensandecida, a ponto de humilhar, ferir e matar aquela que decidiu romper e não reatar a relação.
Quem torceu pelo amor de Lindembergue, quem acreditou que ele pudesse sair daquele prédio de mãos dadas com a ex-namorada esqueceu ou reforçou o tipo de cultura em que vivemos.
Quem tratou aquele drama passional como se não tivéssemos, neste país, de forma gritante, e em todo planeta, uma numerosa estatística de crimes de honra ajudou a puxar o gatilho. Que conclusão podemos chegar? O Machismo Mata.
*Secretária Executiva da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB)