Ao terminar a pesquisa que resultou no livro Rester enfant, devenir adulte (Permanecer filho, tornar-se adulto, na tradução mais coerente com o trabalho) ainda não publicado no Brasil, a socióloga francesa Elsa Ramos observou que, dentro do espaço doméstico, a coabitação entre pais e filhos jovens passa por três espaços: o individual, o das regras parentais e o espaço igualitário. A pesquisadora, do Centro de Investigação sobre os Vínculos Sociais (Cerlis), de Paris, vai apresentar a palestra “As negociações no espaço doméstico: construir a boa distância entre pais e jovens adultos coabitantes” durante o Seminário Relações Familiares, Sexualidade e Religião, que será promovido pelo CLAM, GREFAC (UERJ) e PPGAS (UFRJ) entre os dias 4 e 6 de agosto.
A pesquisa foi feita com 50 “jovens adultos” franceses de classe média, de idades entre 19 e 27 anos. A socióloga procurou encontrar, através do que ela chama de “negociações” em torno das pequenas coisas do cotidiano, os mini-ritos que fazem parte do processo de construção da autonomia dos jovens. Autonomia, ela afirma, não significa independência. “Neste caso, autonomia é a capacidade de responder ao seu próprio projeto, às suas escolhas”, define. “Acho importante chamá-los de jovens adultos. Somente nos tornamos adultos quando adquirimos uma independência financeira, o que não era o caso, uma vez que nenhum dos entrevistados trabalhava. Mas mesmo vivendo com os pais, eles se definem como autônomos. Meu objetivo foi perceber como o jovem adulto constrói e cria, dentro do espaço doméstico, seu espaço particular e como consegue conservar esse espaço na casa dos pais”.
Para tanto, passa-se pelas negociações, o “jogo da boa distância”, termo usado pela pesquisadora. A televisão, por exemplo, é um espaço paternal. O pai escolhe o programa, apesar de a sala de estar ser um espaço comum, onde a ordem é feita pela mãe. Neste espaço, os filhos sabem até onde ir para não entrar em conflito.
Nessa coabitação também existem estratégias. Para manter seus quartos como espaço individual e fazer com que os pais batam na porta antes de entrar, os jovens passam, então, a bater na porta do quarto dos pais. O objetivo é fazer com que os pais observem o hábito e passem a fazer o mesmo ao visitarem seus quartos. “O quarto é, na maioria dos casos, um espaço individual, mas pode ser também um espaço igualitário, quando a mãe senta na cama da filha para conversar, por exemplo”, diz Elsa. Já na cozinha e na sala de estar a ordem é mantida pela mãe. O jantar, normalmente servido na França por volta da 20h30min e do qual todos os membros participam, pode tanto ser um espaço de regras parentais quanto um espaço individual. Parental por ter horário, e individual se levarmos em conta o fato de que todos têm seu lugar cativo na mesa.
Alguns sinais indicam quando a autonomia dos jovens está sendo alcançada, isto é, quando esse processo passa de uma realidade comum para uma realidade pessoal. O momento em que os pais reconhecem aos filhos o direito de sair à noite e voltar tarde, por exemplo. “Validar a escolha dos filhos é um dos signos de transformação”, completa a socióloga.