“Refletir e pesquisar a diversidade sexual é considerar não a ‘homogeneidade dos excluídos’ e sim a riqueza de suas diferenças, a ponto inclusive de exigir novas categorias para além de dicotomias como integrados/excluídos”, afirma Bruno Souza Leal, presidente da Associação Brasileira de Estudos da Homocultura (ABEH), que realizou seu terceiro Congresso. O encontro desse ano aconteceu na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em Belo Horizonte, entre os dias 5 e 7 de julho. O tema desta edição foi “Discursos da diversidade sexual: lugares, saberes, linguagens”.
“Entende-se que a diversidade sexual, em seus aspectos políticos, identitários e estéticos, gera inúmeros discursos, que inclusive tem ela mesma como objeto. Tais discursos não são certamente semelhantes ou equivalentes, antes marcam diferentes lugares e modos de apreensão do mundo. O tema do congresso este ano busca refletir sobre essas diferenças e suas implicações”, explicou Bruno.
Segundo ele, a expressão ”diversidade sexual” tem como objetivo caracterizar modos de ser, novas relações, em seus contrastes e peculiaridades. Ao eleger o tema, o objetivo do congresso é chamar a atenção para a diversidade de discursos e identidades dentro da chamada “cultura gay”, ou seja, as diferentes formas como os sujeitos vêem e nomeiam a si e aos outros. “Observa-se, concretamente, uma grande diferença entre uma ‘cultura gay’, de classe média urbana, e uma outra, que poderíamos chamar talvez de ‘bicha’ suburbana. Além de construções identitárias específicas, esses dois modos de sociabilidade se dão em lugares sociais e econômicos distintos, trazem visões antagônicas de afirmação identitária e conseqüentemente são politicamente divergentes. Ainda estabelecem parâmetros estéticos e de práticas culturais bastante peculiares”, ressaltou.
A homocultura segundo Foucault
O presidente da ABEH se inspirou na obra de Michel Foucault para discutir a noção contemporânea de “homocultura”, área temática em pleno desenvolvimento na universidade brasileira, alimentada não só pelas circunstâncias históricas, mas também pelo impacto dos estudos de gênero e das teorias pós-estruturalistas. “No início dos anos 80, Foucault observava a constituição de práticas culturais renovadas, a partir das quais se desenvolveriam novas modalidades de relações, modos de vida, identidades, sociabilidades, referências morais e estéticas. O elemento propulsor dessa ‘invenção’ seria as experiências sexuais não hegemônicas, mas diversas e numerosas o suficiente para constituírem realidades culturais e políticas peculiares”, disse Bruno.
O Congresso apresentou quatro eixos temáticos:
1. “teorias para homocultura”, que propôs a reflexão metodológica e epistêmica sobre as relações e especificidades das teorias que alimentam o estudo da homocultura;
2. “políticas da diversidade”, que focalizou os movimentos sociais e as lutas por direitos, visibilidade e reconhecimento, além da dimensão micropolítica das relações identitárias;
3. “estereótipos e construções das identidades GLBT”, que privilegiou as investigações sobre as formas de sociabilidade, as práticas e processos individuais e grupais de elaboração de identidade, além das chamadas “novas” configurações familiares;
4. “imagens e grafias na homocultura”, que teve como alvo a reflexão estética e a investigação sobre os textos que se constituem nas práticas culturais, em diálogo ou não com as tradições canônica e marginal desenvolvidas ao longo do século XX.
O CLAM no Congresso
Os Congressos da Abeh são bianuais e reúnem pesquisadores nacionais e estrangeiros de diversas áreas. O primeiro congresso aconteceu em 2002, na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), em Vitória (ES), com o tema “Homocultura e Cidadania”. O segundo congresso, que teve como tema geral “Imagem e diversidade sexual”, ocorreu em 2004, na Universidade de Brasília (UnB). Neste ano, a pesquisadora Anna Paula Uziel (CLAM/IMS/UERJ) coordenou a mesa “Parentalidades LGBT: desafios e perspectivas”(veja resumos abaixo), na qual ministrou a comunicação “A família: um retrato a partir de técnicos e operadores de justiça”. No mesmo dia, a pesquisadora Silvia Aguião (CLAM/IMS/UERJ) integrou outra sessão coordenada – “Rituais territórios e sociabilidadesGLS” -, apresentando o tema “Categorias identitárias entre mulheres homossexuais do subúrbio carioca”.
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Resumos da mesa “Parentalidades LGBT: desafios e perspectivas”
Anna Paula Uziel (UERJ) – Coordenadora
Camila Pinheiro Medeiros (Museu Nacional)
Claudiene Santos (UCB)
Miriam Pillar Grossi (UFSC)
TRABALHO 1
A família: um retrato a partir de técnicos e operadores da justiça
Anna Paula Uziel – professora IP/UERJ, pesquisadora CLAM/IMS/UERJ
Este trabalho é uma análise do discurso dos profissionais envolvidos nos processos de adoção na justiça da infância e da juventude do Rio de Janeiro. Ao pleitear a adoção, o(s) requerente passa(m) por assistente social, psicólogo, bem como te(ê)m seu processo analisado pelo Ministério Público, até chegar no juiz. Apesar de a homossexualidade não ser um impedimento para a adoção, tampouco uma condição que a lei recomende análise, observa-se que os pareceres técnicos e as sugestões e encaminhamentos do Ministério Público transformam-na em questão central do processo, quando ela aparece. Embora nos últimos anos a homossexualidade dos requerentes não tenha gerado decisões desfavoráveis em relação à adoção, suscita, por parte dos profissionais envolvidos, alguns tipos de “atenuantes” para torná-la mais palatável e menos incompatível com o exercício da parentalidade. Assim, inscrever os requerentes homens como mais femininos, oferecer crianças menos procuradas por terem mais idade ou serem mais negras ou entender que aquela oportunidade é melhor do que a rua ou o abrigo são algumas das estratégias utilizadas na negociação que leva a uma decisão favorável. Em relação às mulheres, quando a invisibilidade da lesbianidade não persiste, parece não haver tanta necessidade de se criar subterfúgios para que o processo caminhe bem. A maternidade parece ser a explicação mais simples e suficiente para a concessão da adoção. Palavras-chaves: adoção, justiça, família.
TRABALHO 2
Casa de Mulheres: família e lesbianidade na periferia paulistana
Camila Pinheiro Medeiros – doutoranda em Antropologia Social (UFRJ)
Esta comunicação baseia-se em trabalho etnográfico a respeito da “Sociedade Lésbica Feminista Mulheres de Kêto ‘Ojú Oyá’”, associação de mulheres sediada em Guaianazes, bairro da periferia paulistana. Procura-se enfocar os temas da parentalidade lésbica e família tomando-se como pano de fundo assuntos considerados centrais no contexto pesquisado e que, não à toa, estão agregados no nome do grupo, quais sejam, a política (para pensar os componentes “sociedade lésbica feminista” do nome) e o candomblé (referido em “mulheres de kêto ‘ojú oyá’”). Pensa-se que este modo de formular o problema – levando-se em conta um âmbito mais amplo de questões a partir do qual se desenvolve o tema da família – é mais profícuo no sentido de possibilitar a análise dos conceitos nativos em ação. Deste modo, à luz das mulheres de kêto, a reflexão em torno da família e da lesbianidade leva em conta as relações que estas mulheres estabelecem tanto no âmbito político – com outros grupos relacionados ao “segmento GLBT” – quanto no religioso, que orbita em torno do barracão de candomblé no qual elas são filhas-de-santo. Estas observações, por sua vez, são elaboradas enfocando-se o local por excelência das mulheres de kêto: o apartamento onde moram a coordenadora da associação, suas duas filhas e sua companheira (e ao qual também se agregam diariamente as outras integrantes do grupo), espaço eminentemente feminino – uma “casa de mulheres” –, enunciador de um modo de vida próprio que sintetiza as questões ora tratadas. Palavras-chaves: mulheres, família e lesbianidade.
TRABALHO 3
Mosaico de famílias homoparentais: a voz de gays e lésbicas com filhos
Claudiene Santos – docente da Universidade Católica de Brasília – UCB e membro do Grupo de Pesquisa Sexualidade & Vida/USP
Atualmente, deparamo-nos com inúmeras configurações familiares, dentre as quais encontram-se famílias formadas por homossexuais e seus filhos. Tais famílias encontram-se ainda na obscuridade face à homofobia que as atinge, razão pela qual investigamos, por intermédio da metodologia fenomenológica, como gays e lésbicas com filho/as vivenciam a parentalidade, e, como o/as filho/as lidam com a homossexualidade paterna/materna. Os relatos apontam um maior preparo psíquico e sócio-econômico para a chegada de uma criança, principalmente quando o desejo de ter filhos ocorre após a assunção da homossexualidade e/ou formação da parceria homossexual. Homens, em geral, buscam a adoção; mulheres,engravidam freqüentemente por inseminação artificial ou coito. Funções parentais são exercidas pelo casal (quando é o caso) e permeadas pelo diálogo e parceria. Vivências de preconceito quanto ao exercício da parentalidade e/ou à expressão da homossexualidade ocorrem nas famílias de origem, no trabalho, grupos sociais e são diminuídos por meio da convivência e pelo conhecimento das situações vivenciadas. Há presença de homofobia internalizada, inclusive diante da própria homossexualidade. O modelo heterocêntrico de família é recorrente nos discursos, assim como a falta de referenciais de famílias homossexuais. O/as filho/as relatam que a convivência com a homossexualidade paterna/materna é tranqüila, na maior parte dos casos, e o diálogo de suma importância. Foram relatadas situações de preservação da privacidade paterna/materna e a omissão dessa condição familiar de amigos mais distantes e parceiro/as do/as filho/as por ele/as mesmo/as. As famílias homossexuais com filhos clamam por legitimação e aceitação social, com vista à sua inclusão na diversidade de modelos familiares coexistentes na contemporaneidade. .
TRABALHO 4
Parentalidade homossexual na França e no Brasil – um estudo comparativo
Miriam Pillar Grossi – professora adjunta no Departamento de Ciências Sociais da UFSC
Análise comparativa de como a temática da parentalidade homossexual tem sido abordada pelo movimento GLBTT, pelo Estado e pelos estudos acadêmicos na França e no Brasil.
Palavras-chaves: parentalidade, homossexualidade, Brasil, França.