O quadro atual de leis pertinentes à diversidade sexual e ao aborto foi mostrado tendo como ponto de partida a América Latina. A advogada feminista peruana Roxana Vasquez, do Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM) refletiu sobre a situação do aborto na região apoiada num estudo feito em 14 países entre 1995 e 2000 e atualizado em 2002.
“Embora alguns casos, como o de aborto devido a estupro, tenham sido incorporados, e outras penas reduzidas, não podemos anunciar uma tendência à flexibilização, que abra caminhos para a descriminalização do aborto. Pelo contrário, existe uma corrente contra, apoiada num conceito errôneo de proteção da vida”, disse ela.
Atualmente, Argentina, Bolívia, Colômbia, Chile, Peru, Equador, Honduras, Guatemala, Costa Rica e Nicarágua incluem esse conceito em suas constituições, suas legislações civis e em seus códigos de defesa da criança e do adolescente.
“O aborto tem sido uma questão tradicionalmente tratada pela legislação penal. Sua incorporação às políticas públicas é recente”, analisou Roxana. Baseado nos diagnósticos nacionais dos estados latino-americanos, o estudo, realizado pelo Centro da Mulher Peruana Flora Tristán, mostra o tratamento penal para quem interrompe voluntariamente a gravidez em países que vão do México à Argentina.
Porto Rico é o único dentre eles onde a prática não é penalizada, podendo ser realizada em estabelecimentos públicos de saúde. O Panamá se mostra como o país que tem o maior número de permissivos legais, enquanto em El Salvador, Colômbia, Chile e Honduras o aborto é completamente penalizado, sob qualquer circunstância. “A opressão penal só funciona contra as mulheres mais pobres”, disse Roxana.
Alguns países, como o México, Peru e Bolívia, consideram aborto como um problema de saúde pública, devido a sua incidência como causa de morte entre as mulheres, especialmente adolescentes. “No Peru, segundo estatísticas de 2003, foram realizados 410 mil abortos, o que equivale a pouco mais de mil casos por dia”, revelou a advogada. “Por conta do problema da clandestinidade, não podemos chegar a números confiáveis. Não existem números estatísticos para todos os países e nem tampouco dados por idade, área geográfica ou por nível sócio-econômico. Existem estimativas não oficiais, porque as produzidas pelos Ministérios de Saúde referem-se às entradas e saídas dos hospitais públicos, os quais contabilizam abortos legais. Entretanto, essas estimativas nos dão uma idéia do tamanho do problema”.
Na Colômbia, onde a prática é penalizada sob qualquer circunstância desde 1936, as estimativas mostram que são realizados de 200 mil a 400 mil abortos anualmente. Todos ilegais e clandestinos, já que lá não existe qualquer pernissivo legal. Segundo dados do Departamento Administrativo Nacional de Estatística (DANE) colombiano, o aborto inseguro corresponde a 16% das causas de morte materna no país, ocupando, há mais de uma década, a segunda posição neste ranking infeliz. “Os países enfrentam o dilema: despenalizar o aborto e diminuir a incidência de mortes causadas pelo aborto clandestino. Por quê essa situação se perpetua?”, questionou a advogada.
“Na América Latina, a Igreja tem um poder forte. Os estados são laicos, mas na prática não”, afirmou. Segundo ela, Uruguai e México são os menos influenciados pela Igreja, enquanto nos países centro-americanos a Igreja tem maior influência. Em 2004, se o projeto de lei de Defesa da Saúde Reprodutiva tivesse sido aprovado, o Uruguai, considerado um dos países mais intensamente laicos, seria o primeiro da região a ter uma legislação francamente liberal em relação à questão. O projeto foi aprovado pela Câmara dos Deputados, mas não passou pelo Senado Federal, que decidiu manter a lei vigente no país desde 1938, a qual considera o aborto um crime, com determinadas exceções e atenuantes.
Casos de aborto por mal-formação fetal (fetos anencefálicos, por exemplo) são permitidos em oito estados mexicanos. Na Argentina, a Lei provinciana 1044, válida somente para Buenos Aires, permite à mulher adiantar o parto a partir da 24ª semana, o que significa ter que carregar a gestação até pelo menos o sexto mês, para então poder abortar. No Brasil, a ação que reivindica o direito de grávidas de fetos sem cérebro abortarem aguarda julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF). No dia 27 de abril, enquanto acontecia o debate na Alerj, o STF julgava em Brasília uma questão preliminar sobre o assunto. A maioria dos ministros — seis, de um total de 11 — deixou claro ser favorável ao aborto em caso de anencefalia.
“O argumento de defesa da vida intra-uterina é inconsistente. Porque se fosse mesmo caso de defesa da vida, se defenderia o risco de morte da mãe em abortos clandestinos”, concluiu ela.
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A sexualidade no mundo