O mercado de trabalho brasileiro é cada vez mais feminino sem que, no entanto, o rendimento delas se equipare ao dos homens. Esta contradição é atestada pelo estudo “Mulher no mercado de trabalho: perguntas e respostas”, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a partir da análise das séries da Pesquisa Mensal de Emprego de 2003 a 2011. Os números da pesquisa mostram ainda como a estrutura laboral está permeada por assimetrias de gênero.
Apesar de atualmente elas representarem 52% da população economicamente ativa, segundo a pesquisa do IBGE, o salário delas é 28% inferior ao dos homens, nos últimos três anos. O panorama serve para ilustrar como a estrutura social e de trabalho, no Brasil, reflete relações de gênero. De acordo com Cimar Azeredo, gerente da Coordenação de Trabalho e Rendimento do IBGE, os dados atestam a raiz cultural dessas diferenças. De acordo com o estudo, 94,8% do serviço doméstico é ocupado por mulheres, o mesmo número de 2003. “Profissões que envolvem cuidado, limpeza e afazeres domésticos são ocupadas majoritariamente por mulheres, o que explica, também, o porquê da diferença de rendimento entre os sexos”, explica Cimar Azeredo.
A diferença de rendimento médio se dá também em relação aos anos de estudo. Um homem e uma mulher com a mesma escolaridade apresentam salários distintos. Na última Pesquisa Mensal de Emprego de 2011, uma mulher com 11 ou mais anos de estudo recebia em média R$ 1.706,39 por mês, enquanto os homens de igual nível educacional obtinham renda de R$ 2.467, 49. De acordo com a socióloga e coordenadora-executiva da Escola Dieese de Ciências do Trabalho, Sirlei Márcia de Oliveira, a renda da mulher é considerada secundária em relação à dos homens, mesmo elas possuindo atualmente nível de escolaridade maior do que o dos homens.
“Historicamente, os homens sempre estiveram ligados ao mercado de trabalho, ao passo que as mulheres eram restritas ao ambiente doméstico e às responsabilidades reprodutivas e de criação dos filhos. Isso pode ser percebido atualmente na estrutura de trabalho. Não é à toa que tal visão se reflete na ideia de que as mulheres se envolvem menos com o trabalho. O empregador leva isso em consideração, inclusive vendo as mulheres sob a ótica do custo, com a licença maternidade, por exemplo. É uma distorção baseada em papéis de gênero. Homens e mulheres deveriam ter as mesmas responsabilidades e o mesmo tratamento no mercado de trabalho e dentro de casa”, argumenta Sirlei de Oliveira.
As horas trabalhadas também refletem desigualdades. De acordo com o estudo do IBGE, as mulheres trabalham, em média, 39,2 horas por semana, enquanto os homens trabalham 43,4 horas. Para Sirlei de Oliveira, estes dados devem ser analisados levando-se em conta a natureza das ocupações das mulheres. “Elas ocupam preferencialmente postos no setor bancário, no comércio, na saúde e na educação e serviços em geral. Isto é, trabalhos com jornada menor. Um padrão que exemplifica como a imagem da mulher como cuidadora dos filhos e responsável pelo âmbito doméstico influencia as ocupações a serem ocupadas”, observa Sirlei de Oliveira.
A variável de classe social também é um aspecto fundamental para se mapear as desigualdades que se apresentam entre as próprias mulheres. Projeção feita pelo instituto Data Popular a partir do Censo de 2012 evidencia que as mulheres pobres se dedicam mais aos afazeres domésticos do que as mulheres com poder aquisitivo elevado. Na classe E, por exemplo, 96,4% das mulheres se ocupam de atribuições domésticas. Na classe D, 94,3% e na C, 91,2%. Nas classes A e B, respectivamente, esses números caem para 76,3% e 85,4%. “A mulher das camadas superiores contratam empregadas domésticas para fazer o trabalho doméstico. Enquanto que para umas o envolvimento nas tarefas de casa pode ser delegado, para outras cuidar da casa é o meio de viver. É um quadro muito grave, pois estas mulheres pobres são impedidas de estudar diante da carga de trabalho elevada, cuidando da própria casa e a da patroa”, afirma Sirlei de Oliveira.
A socióloga Maria Betânia Ávila, integrante da coordenação do SOS Corpo – Instituto Feminista para a Democracia, afirma que os dados do IBGE e do Data Popular reiteram uma estrutura laboral antiga e conhecida. “Somos um país marcado por uma divisão sexual do trabalho. Esta divisão atribui o trabalho produtivo ao homem. A mulher é direcionada para o trabalho reprodutivo. Por isso, esse panorama desigual que se reflete em salários desiguais e ocupações associadas a papéis de gênero”, avalia Maria Betânia.
Os dados do IBGE mostram como as atividades estão segmentadas divididas por sexo. Da população ocupada, os homens são 64% na indústria, enquanto as mulheres são 36%. No setor da construção, eles ocupam 93,9% dos postos e elas, apenas 6,1%. Maria Betânia destaca que os trabalhos e postos ocupados pelas mulheres são mais precários quando comparados aos dos homens. “Além dos salários inferiores em relação aos homens, independente da escolaridade, há a questão das jornadas de trabalho. Elas têm jornadas duplas, triplas, em casa, no trabalho e no estudo – quando conseguem estudar. Isso contribui para a precarização das condições da mulher no mercado de trabalho. Infelizmente, os homens não atuam no ambiente doméstico, um lugar culturalmente associado às mulheres. As funções destinadas a homens e mulheres também se refletem na qualidade e no rendimento. Eles ocupam prioritariamente postos de comando e atividades mais valorizadas É um padrão cultural perverso que está na raiz desses números”, analisa a integrante do SOS Corpo,
No início do mês de março, o Senado brasileiro aprovou projeto de lei que pune empresas que paguem salários menores às mulheres. O governo federal, no entanto, recuou no apoio à iniciativa diante da pressão de empresários. “Medidas legais são fundamentais para combater a desigualdade de gênero que permeia o mercado de trabalho. A medida do Senado, se sancionada, será uma excelente ferramenta nesse sentido. No entanto, é preciso ações de outra natureza, como a construção de uma infra-estrutura social eficiente, com creches suficientes, por exemplo. A educação também é fundamental, pois precisamos mudar a concepção de que o trabalho da mulher é secundário em relação ao do homem. Outro aspecto importante a ser analisado é a atuação das categorias e dos sindicatos. Eles têm que ampliar e aprofundar o olhar sobre as possibilidades de ocupação e reivindicar permanentemente a equiparação dos salários entre homens e mulheres’, finaliza Sirlei de Oliveira, do Dieese.