No sábado, 25 de março, penúltimo dia do Fórum Mundial de Educação, o projeto Gênero e Diversidade na Escola foi o foco principal de uma mesa redonda cujo eixo temático era “Estado e Sociedade na Construção de Políticas Públicas”. O antropólogo Sérgio Carrara, coordenador do CLAM, falou sobre os desafios do projeto Gênero e Diversidade na Escola, que objetiva formar educadores e educadoras da rede pública que atuam entre a 5ª e 8ª séries do Ensino Fundamental nas temáticas de gênero, sexualidade e igualdade étnico-racial. Carrara ressaltou a importância de se discutir a diversidade na escola.
“Devemos valorizar a diferença e a diversidade. Muito mais do que tolerada, a diversidade tem que ser promovida. Vale destacar a perspectiva socialmente responsável deste projeto”, disse, apontando para o fato de que o respeito à diversidade deve ter sempre como parâmetros os limites da ética e da legalidade.
Para ele, são três as diretrizes básicas que orientam os responsáveis pelo projeto – a promoção do espírito crítico, da abordagem transversal das temáticas de gênero, da sexualidade e das relações étnico-raciais e da perspectiva não essencialista. “Se o processo educativo visa à formação do espírito crítico, a escola tem que ser capaz de incorporar a diversidade de opiniões. O espírito crítico só se constitui a partir desta diversidade. Mas isto não quer dizer que, de um ponto de vista ético, todas as teorias sejam equivalentes. Uns consideram gênero como algo inscrito no corpo, outros como social e politicamente constituído. Temos de ser capazes de entender as conseqüências políticas de uma ou de outra concepção”, enfatizou.
Para Carrara, o maior desafio está na transversalidade dos temas. “Gênero, raça e sexualidade são temas extremamente sensíveis e configuram áreas específicas dentro da universidade. Articular estas temáticas não é tarefa simples, seja na universidade, na política ou nos movimentos sociais”, afirmou ele.
Segundo o antropólogo, o desafio em abordar de maneira transversal gênero, orientação sexual e raça/etnia se deve à complexidade dos temas. “Estamos falando de preconceitos, de sexismo, de racismo e de homofobia, questões tradicionalmente vistas separadamente. São discursos sinérgicos, que se reforçam mutuamente. As mesmas características atribuídas por discursos racistas aos negros, como a de serem menos movidos pela razão e terem menos controle sobre si, eram atribuídas também às mulheres e aos homossexuais por discursos sexistas e homofóbicos”, lembrou ele.
No entanto, a despeito da sinergia existente entre os discursos, Carrara salientou que, no plano da experiência de indivíduos e grupos, muitas vezes existem contradições. “Há homofobia no movimento negro e racismo no movimento homossexual, por exemplo. Os efeitos estigmatizantes da homossexualidade atingem diferentemente brancos e não brancos ou homens e mulheres. Não existe somente sinergia ou sobreposição e isto dificulta o diálogo no plano político”.
Segundo ele, para trabalhar os temas de forma transversal será fundamental manter uma perspectiva não-essencialista em relação às diferenças. “A adoção dessa perspectiva se justifica eticamente, uma vez que o processo de naturalização das diferenças étnico-raciais, de gênero ou de orientação sexual, que marcou os séculos XIX e XX, vinculou-se à restrição da cidadania a negros, mulheres e homossexuais. Lembremos que uma das justificativas até o início do século XX para a não extensão às mulheres do direito de voto baseava-se na idéia de que possuíam um cérebro menor e menos desenvolvido que o dos homens. Portanto, para nós, trabalhar a transversalidade depende em não essencializar ou naturalizar essas temáticas”.
Valorização das subjetividades
Previsto para iniciar em maio, Gênero e Diversidade na Escola é um projeto de ensino a distância, com aulas semi-presenciais direcionadas a professores do Ensino Fundamental de escolas públicas. A idéia é fazer com que estes profissionais tenham, no cotidiano da escola, instrumentos para refletir e lidar com as atitudes e comportamentos que envolvam relações de gênero, étnico-raciais e sexualidade. O projeto piloto será implementado em seis cidades de diferentes regiões do país: Niterói e Nova Iguaçu, no estado do Rio de Janeiro, Maringá, no Paraná, Salvador, na Bahia, Dourados, no Mato Grosso, e Porto Velho, em Rondônia.
O curso é uma parceria entre o Ministério de Educação (MEC), a Secretaria Especial de Política para as Mulheres (SPM), a Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), o Conselho Britânico e o CLAM.
Presente à mesa, a ministra Nilcéia Freire, da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), ressaltou a importância de ver materializado o projeto que saiu como uma das diretrizes da I Conferência Nacional de Mulheres, realizada em 2004 em Brasília. “O que está sendo iniciado neste plano piloto é uma rede que vai crescer rapidamente”, observou.
“Com este projeto, estamos objetivando produzir novos campos de práticas políticas, que se alimentam da força dos movimentos sociais”, observou o secretário de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do MEC, Ricardo Henriques. “O que estamos discutindo é que é possível sair do universo da desigualdade, valorizando as diferenças. O que é inovador é a valorização das subjetividades. Para o MEC, este projeto tem poder de transformação que não se contenta com a fragmentação dos movimentos”, concluiu ele.
Educação Cidadã
O Fórum Mundial de Educação foi realizado entre os dias 23 e 26 de março, no município de Nova Iguaçu, região metropolitana do Rio de Janeiro. O evento contou com conferências e reuniões para discussões sobre Educação. O tema central foi “Educação Cidadã”, cuja marca é a busca da garantia dos direitos sociais para todos os seres humanos.
Três subtemas deram estrutura ao Fórum: Educação, Cultura e Diversidade; Ética e Cidadania em tempos de exclusão; e Estado e Sociedade na Construção de Políticas Públicas.
Realizado a cada dois anos – a última edição aconteceu em Porto Alegre, em julho de 2004 -, o Fórum Mundial de Educação tem como objetivo ser um espaço para formulação de alternativas educacionais cidadãs, para a troca de experiências e para a construção de articulações orgânicas, táticas e estratégicas entre governos, universidades, ONGs, movimentos sociais e populares, sindicatos, associações e entidades religiosas. Além disso, busca contribuir para a construção da Plataforma Mundial de Educação, proposta estabelecida na Declaração de Porto Alegre, em 2003.
Este ano, pelo menos 20 mil pessoas compareceram ao evento, segundo os organizadores.