A legislação de cotas por sexo na política foi adotada, no Brasil, em 1996, para as eleições municipais, e dois anos depois para as federais e estaduais. No entanto, nenhum partido conseguiu atingir a cota mínima de 30% de candidaturas de mulheres. Um estudo realizado pela socióloga Almira Correia Rodrigues, do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA), mostra que a política de cotas ainda é uma questão.
“A ampliação da participação das mulheres em processos eleitorais enfrenta várias resistências e adversidades. Podemos levantar desde a prevalência de uma cultura patriarcal, que reserva aos homens o espaço público, passando pelo poder econômico e financeiro que sustenta uma boa parte das candidaturas, até a sobrecarga das mulheres com o trabalho doméstico, o que limita o tempo disponível para a sua prática política”, afirma Almira.
De acordo com o levantamento realizado pela socióloga, não se observa um aumento significativo da participação feminina nas eleições de 2006 em relação à de 2002, como foi verificado nas eleições de 1998 (primeira eleição em âmbito federal obrigada a considerar as cotas por sexo) em relação às de 1994. Hoje, num total de 19 mil mulheres candidatas, 15,91% concorreram ao Senado (em 2002 este índice foi de 12%) e 12,6% concorreram à Câmara Federal (em 2002 foram 11,5%). Em termos numéricos, esse percentual significa 652 candidatas num total de 5.151 candidaturas.
Segundo dados do departamento de Estudos Populacionais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE, o Brasil está na “lanterna” do ranking mundial de participação das mulheres no Parlamento (Câmara Federal) – a média mundial é de 16,8%. Na América do Sul, o país ocupa o último lugar e na América Latina o antepenúltimo, apenas em melhor situação que a Guatemala e o Haiti.
Em relação às candidaturas de mulheres às Assembléias Legislativas, no entanto, o estudo do CFEMEA registra uma redução: em 2002 as candidaturas femininas somaram 14,8% e em 2006 foram 14,2%. “Esse fenômeno pode significar uma profissionalização e elitização das campanhas eleitorais já nesse nível local, e conseqüentemente, uma maior dificuldade para a entrada de mulheres, bem como de negros/as e jovens, na política representativa”, analisa a socióloga, numa das conclusões da pesquisa.
A lei de cotas estabelece 30% como cota mínima para qualquer um dos sexos (homem ou mulher). Ou seja, um sexo não pode se sobrepor ao outro mais do que 70%. “Nas primeiras eleições federais, após a aprovação da lei de cotas, o aumento de candidaturas femininas foi significativo, mas nas eleições subseqüentes não. Apesar disso, as cotas por sexo na política abrem para a discussão da sub-representação das mulheres e garantem, efetivamente, vagas de candidaturas para mulheres. O que se coloca hoje é o entendimento de que as cotas por sexo são essenciais, embora insuficientes (até porque incidem sobre candidaturas e não sobre posições no parlamento) para promover mudanças no perfil da política representativa brasileira”, diz a autora do estudo.
Para ela, é necessário repensar o sistema político eleitoral e partidário brasileiro, “de forma que a política representativa possa se reconstruir como uma prática democrática, ética e acolhedora da representação de diversos projetos políticos e de diversos segmentos sociais”, completa.
Mulher deve votar em mulher?
Em recente pesquisa realizada no Distrito Federal pelo instituto de pesquisa CB Data, do Jornal Correio Braziliense, verificou-se que 2/3 dos eleitores homens consultados nunca haviam votado em candidatas mulheres e que um número igual de eleitoras também nunca havia dado seus votos a mulheres. Ou seja, as mulheres eram pouco votadas por homens e por mulheres. No entanto, ambos responderam que consideravam as mulheres mais éticas na política. “Esta é uma contradição que precisamos compreender melhor”, analisa Almira. “Não creio que mulher deve votar em mulher e sim em propostas e em pessoas que sejam confiáveis e que tenham plena consciência do que seja exercer um mandato e uma gestão pública. Para o feminismo é importante ampliar o percentual de mulheres nos parlamentos, mas é igualmente importante afirmar as plataformas feministas. Tanto homens quanto mulheres podem assumir a defesa dos direitos das mulheres. No entanto, o que temos observado é que as mulheres eleitas tendem a dialogar e se comprometer mais com os movimentos de mulheres e com as plataformas feministas”.
Ela cita como exemplo a médica e deputada federal Jandira Feghali. “Não tenho como dimensionar o apoio que Jandira Feghali recebeu das mulheres. No entanto, ela sempre contou com o apoio dos movimentos feministas à medida que foi uma firme defensora dos direitos sexuais e reprodutivos e, nesta mesma medida, uma expressiva combatente das forças conservadoras e religiosas de cunho fundamentalista”, afirma Almira. A candidata, apesar de ter liderado as pesquisas de opinião com folga até o último dia, acabou não sendo eleita para o Senado. Sua derrota é atribuída a uma campanha religiosa contrária à sua candidatura: distribuindo panfletos e fazendo uso de mensagens instantâneas enviadas para aparelhos celulares, setores da Igreja Católica pediram aos eleitores que não votassem em Jandira por ela “pregar a não existência de Deus e por defender o aborto”. (Leia mais sobre o assunto no blog Mulheres de Olho nas Eleições)