Seja em Hollywood – onde atrizes denunciaram a desigual remuneração feminina e se rebelaram contra demonstrações sexistas no tapete vermelho, durante a entrega do Oscar deste ano –, ou no Brasil – onde as mulheres, apesar de estudarem mais e representarem 43,9% da população economicamente ativa, ainda recebem menos –, as disparidades sociais afastam homens e mulheres da almejada igualdade, questão a ser pensada neste 8 de março.
No cenário brasileiro, os últimos anos foram de crescimento econômico, após duas décadas (1980 e 1990) de relativa estagnação. Nesse período de maior prosperidade, as mulheres foram ganhando mais espaço no mercado de trabalho, e de uma maneira mais rápida que a entrada dos homens. Mas a maior empregabilidade das mulheres é um avanço que merece ponderação. Em 2001, elas representavam 39,5% da população formalmente empregada. Em 2013, passaram para 42,8%. Ao mesmo tempo, é uma tendência no país o crescimento no número de famílias monoparentais chefiadas por mulheres.
“É um aumento modesto, que indica uma baixa feminização do emprego formal”, destaca a economista Lena Lavinas, professora associada do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Com relação à remuneração, as discrepâncias persistem, conforme aponta o estudo “Assimetrias de gênero no mercado de trabalho brasileiro: rumos da formalização”, realizado por Lena Lavinas em parceria com as pesquisadoras Ana Carolina Cordilha e Gabriela Freitas da Cruz. Analisando o período de 2001 a 2013, os homens praticamente mantiveram a superioridade de rendimento: em 2001, ganhavam em média R$ 1.814,00 mensais, ao passo que as mulheres recebiam R$ 1.465,00. Doze anos depois, eles estavam ganhando R$ 2.184,00 enquanto elas recebiam em média R$ 1.805. “O gapsalarial permanece apesar dos anos de prosperidade”, aponta Lena Lavinas.
“Sabemos que a participação das mulheres no mercado de trabalho tem aumentado ao longo do tempo, mas isso está longe de significar um quadro de melhora substancial. Os salários continuam, de maneira sólida, discrepantes. Por isso, toda vez que ouço sobre as melhorias da situação da mulher no mercado de trabalho, pondero. Aparentemente, parece que as coisas estão melhorando. Quando coletamos os dados e detalhamos a realidade, vemos que não passa de impressão, pois existe uma desigualdade persistente”.
Na desagregação por hora trabalhada, o estudo revela que a redução das disparidades foi maior quando a ocupação é “parcial” (menos de 20 horas semanais). Entre 2001 e 2012, as melhoras mais sensíveis foram observadas na faixa de 16 a 20 horas/semana, tendo os ganhos femininos aumentado de 63,3% para 85% do valor da remuneração masculina. Nos trabalhos com mais de 30 horas por semana, geralmente associados a empregos de maior qualidade e estabilidade, a redução da disparidade foi menor: 2,4% (31 a 40 horas/semana) e 0,8% (41 a 44 horas/semana).
“Isso nos leva a pensar que as reduções nas diferenças salariais devem-se ao aumento do número de horas trabalhadas pelas mulheres, e não ao reconhecimento do valor do trabalho, pois a diferença tende a aumentar com o acréscimo de horas trabalhadas”, destaca Lena Lavinas.
Há ainda o recorte de faixa etária: no que tange à idade, o hiato salarial tende a aumentar nas faixas mais velhas, atingindo grau acentuado nos grupos etários considerados como de maior experiência laboral. Assim, as mulheres mais velhas recebem menos (em comparação com os homens de sua idade) do que as mulheres mais jovens. Isso anula o efeito experiência, que é valorizante nas trajetórias masculinas e ignorado, nas femininas.
Um dado que chama atenção é o fato de a maior escolaridade das mulheres não resultar na redução das diferenças de salário. Curiosamente, o hiato acentua-se à medida que a escolaridade aumenta: em 2012, as mulheres com diploma superior recebiam 60% dos rendimentos masculinos. Aquelas com ensino médio recebem 71% do rendimento dos homens com o mesmo nível de educação formal. O dado indica os sólidos obstáculos que se colocam no caminho das mulheres. Conforme observa Lena Lavinas, “nem mesmo o investimento em educação oferece a elas o mesmo retorno. Olhando para o longo prazo, as perspectivas não são otimistas, tendo em vista que a escolaridade média tem aumentado e espera-se que assim continue.”.
Fica evidente que crescimento econômico e investimento em educação não parecem suficientes para melhorar a situação delas no mercado de trabalho. Inevitavelmente, elas tornam-se mais vulneráveis em períodos de desaceleração ou retração na atividade econômica. Por exemplo, desde 2011, a partir de quando a economia brasileira passou por uma diminuição em seu crescimento, as mulheres passaram a engrossar a maior parte da população desempregada: em 2013, a taxa de desemprego feminina proporcionalmente à taxa masculina chegou a 149%, maior que os 141% de 2002, mesmo levando em conta que o setor mais afetado por demissões tenha sido a indústria, onde a mão de obra masculina é predominante.
Diante desse quadro, a almejada igualdade persiste como sonho distante. Sendo um país com desigualdades estruturais consolidadas, o Brasil oferece condições distintas mesmo nos cenários de bonança, o que termina por ser mais vantajoso aos homens. Diante de um quadro em que o crescimento econômico não impacta as desigualdades de gênero, é fundamental dispor de políticas públicas específicas, voltadas para o combate à discriminação de gênero no mercado de trabalho, de modo a que se vençam telhados de vidro estruturalmente resilientes”, aponta o estudo coordenado por Lena Lavinas.
A conciliação entre trabalho e maternidade, ou entre trabalho e família, também é uma questão sempre colocada às mulheres brasileiras, como se fossem dimensões completamente inconciliáveis. De fato, não são. Do ponto de vista da divisão sexual do trabalho, as mulheres continuam largamente submetidas a mais jornadas de trabalho (além do trabalho remunerado, recai sobre elas o cuidado das tarefas domésticas e dos filhos).