CLAM – Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos

Direito sob tutela

Assim como o debate em torno da conjugalidade homossexual, a chamada homoparentalidade tem despertado a atenção de cientistas sociais, psicólogos, psicanalistas e operadores de Direito. O assunto ganhou projeção na mídia há alguns anos, com a morte da cantora Cássia Eller e a disputa na justiça pela guarda definitiva do filho da artista, travada entre sua companheira e seu pai, avô do menino. A sentença foi favorável à companheira de Cássia e, desde então, a conjugação homossexualidade e parentalidade tem se colocado em pauta.



“O estranhamento é muito maior quando se fala em parentalidade do que quando falamos em conjugalidade homossexual, porque de um lado temos a sexualidade, que está identificada com liberdade individual e, de outro lado, bem distante, temos a santificação da família”, diz a psicóloga e doutora em Ciências Sociais Anna Paula Uziel, professora do Instituto de Psicologia da UERJ.



“Quando se trata de requerentes homossexuais, os profissionais da justiça parecem mais atentos ao sujeito que deseja ser pai ou mãe. A questão é que a relação a dois até se aceita, ou porque eles não tiveram escolha ou porque não é tanta aberração assim. Mas mexer com a sagrada família que tem a pureza das crianças não é possível”.



Segundo a pesquisadora, o comparecimento de homossexuais aos Juizados de Infância, Juventude e Idosos com o intuito de adotar uma criança provoca um debate em vários campos do saber. Uma questão levantada por psicanalistas, por exemplo, é se os pais do mesmo sexo poderão ensinar a seus filhos a capacidade de discernir entre os dois sexos ou se influenciarão (negativamente) na orientação sexual destes.



“Entretanto, o debate tem obtido uma resposta positiva por parte dos operadores do Direito e dos técnicos que participam do processo”, afirma a psicóloga, que recentemente participou do simpósio Homossexualidade, Direitos Humanos e Democracia, durante a 57ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), realizada em Fortaleza, na qual falou sobre “Parentalidade e homossexualidade: quando a justiça é convocada”.



Para o juíz de Direito Roger Raupp Rios, do Tribunal Federal de Justiça do Rio Grande do Sul, a postura jurídica está mais flexível em relação ao assunto. “Existe uma aceitação relativa por parte do tribunal”, defende Rios, participante do mesmo simpósio. Segundo ele, entretanto, as deliberações favoráveis aos homossexuais em relação, por exemplo, à pensão alimentícia, à adoção e ao direito de família, não representam um aval total para a liberdade sexual.



Anna Uziel ressalta que a parentalidade exercida por pais homossexuais acaba sendo tutelada, já que tem que passar pela medicina ou pelo direito. “Refletir sobre a legalidade da relação conjugal homossexual, bem como o consentimento em relação à adoção por um casal do mesmo sexo significa colocar em pauta o estatuto de tutela que o exercício não-convencional da sexualidade desperta. A tutela apresenta-se, por exemplo, na convocação das mães dos requerentes gays para participarem do processo de habilitação para adoção”, diz.



A pesquisadora observa que a idéia que se tem de parentalidade está baseada no modelo tradicional calcado na diferença entre os sexos. “Exige-se que o casal parental seja composto por pessoas de sexos distintos e, além disso, que o lugar de pai e de mãe seja ocupado sempre de forma exclusiva”.



Ela acredita que, para aqueles que vêem problema na homoparentalidade, homossexuais que são pais sozinhos parecem oferecer “menos perigo” do que casais. “Com relação a casais, há o medo do abuso, de se criar a criança para ser homossexual etc. É como se a homossexualidade pudesse estar mais disfarçada quando a pessoa está sozinha. No casal ela fica evidente. Então, desse ponto de vista, seria mais fácil ganhar espaço para pessoas sozinhas. Por outro lado, se conseguirem ver o casal homossexual como família, fica mais fácil aceitar que tenham filhos.”, conclui.