CLAM – Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos

Discriminação persiste

Os resultados da Pesquisa Política, Direitos, Violência e Homossexualidade, realizada em 2004 durante a 9ª Parada do Orgulho GLBT do Rio de Janeiro, trazem à tona dados impressionantes em relação à discriminação e a violência sofridas por gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros no ambiente familiar, na escola, no trabalho e em locais públicos, como os hospitais. A publicação foi lançada no dia 23 de junho, às 19h no Museu da República, no Rio de Janeiro.



“O que mais nos chamou a atenção foi a consistência dos dados, que apresentam percentuais de violência tão altos quanto os levantados pela pesquisa de 2003”, diz o antropólogo Sérgio Carrara, do Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (CLAM), que coordenou a pesquisa junto com a socióloga Silvia Ramos, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC/UCAM) e o historiador Márcio Caetano, diretor do Grupo Arco-Íris de Conscientização Homossexual.



A maior parte dos 624 manifestantes entrevistados no estudo tinham idade igual ou inferior a 29 anos (58,5%), e 22% deles tinham entre 30 e 39 anos, enquanto 19,4% revelaram idade superior a 40.



O relatório surpreende: por exemplo, o círculo de amigos e vizinhos foi o campeão em discriminação, segundo a pesquisa – 33,5% dos entrevistados disseram ter sido discriminados neste ambiente, enquanto 27% apontaram o ambiente familiar. A discriminação nas escolas e universidades, por parte de professores e colegas vem logo em seguida, com uma incidência de 26,8%. Os ambientes religiosos (20,6%) e de lazer (18%) vêm num segundo bloco, seguidos pelas discriminações no ambiente de trabalho (11,7%) e no atendimento na área de saúde (11,1%).



Se forem separados por categorias, as maiores vítimas de discriminação familiar e entre amigos são as mulheres e os transgêneros. Na incidência entre amigos e vizinhos, há o elevadíssimo percentual de vitimização de 39,5% entre mulheres homossexuais, enquanto as travestis e os transexuais são vítimas em 37,5% dos casos. “Se o gay ou entendido coloca um terno e gravata e a lésbica um vestido e salto alto, eles passam despercebidos pelos olhos preconceituosos da sociedade. Mas nós, travestis, não temos como”, observa a travesti Hannah Suzart.



Homofobia na escola



Entre os entrevistados, 26,8% relataram ter sido marginalizados por professores ou colegas na escola ou faculdade. Na escola, os adolescentes homossexuais são as maiores vítimas – nada menos que 40,4% deles, nas idades dos 15 aos 18 anos, foram vítimas dessa experiência. Entre jovens estudantes de 19 a 21 anos, 31,3% referiram-se à discriminações. Uma outra pesquisa realizada recentemente pela Unesco já havia chamado a atenção para o grau surpreendentemente alto de idéias e imagens homofóbicas na escola.



A última questão do bloco refere-se às discriminações vividas no ambiente de trabalho e nos serviços de saúde: no geral, 11,7% dos entrevistados relataram não ter sido selecionados ou ter sido demitidos de emprego e 11,1% disseram que foram mal atendidos por profissionais de saúde. Na separação por identidades sexuais, as travestis são as mais discriminadas nesses locais: 35,3% o foram no trabalho e 25% em hospitais e postos de saúde.



Da discriminação às agressões



Entre os entrevistados, 12,9% relataram ter sido vítimas de chantagem e extorsão, sendo maior a incidência deste tipo de crime entre os homens homossexuais mais velhos. “Uma hipótese para compreender o número menor de extorsões entre os mais jovens é supor que as novas gerações de homossexuais estejam mais preparadas para enfrentar a ameaça de ter a sua sexualidade revelada”, observa o relatório.



O estudo comprovou que outro crime costumeiro, o golpe “boa noite, Cinderela”, também abordado na investigação, acontece com mais freqüência entre os gays e transgêneros.

Entre os respondentes, 18,7% disseram ter sofrido agressões físicas devido a sua orientação sexual. Homens homossexuais (22,5%) e transgêneros (33,3%) estão mais expostos a esse tipo de agressão do que as mulheres homossexuais (11,4%) e bissexuais (8,3%). Os locais públicos foram os mais freqüentemente citados como local das agressões: 58,5%. Em segundo lugar aparece a casa, com 15,1%. A escola ou a faculdade aparecem em terceiro lugar, com 10% dos casos.Em seguida,os estabelecimentos comerciais com 8% e, por último, o trabalho, onde ocorreram 4,8% das agressões.



Um dado importante é que policiais ou seguranças são apontados como os agressores em 6% dos casos de violência contra os gays e em 3,7% dos casos contra transgêneros.



Entretanto, são as agressões verbais as que mais atingem a comunidade homossexual – o estudo indica uma incidência de 55,4%, o que significa que mais da metade dos entrevistados já foram vítimas de xingamentos, humilhações verbais ou ameaças. O documento apresenta as agressões verbais como “a disseminação cultural da homofobia”. “Aparentemente, as sanções sociais e legais para ofensas de natureza sexual não têm sido suficientemente fortes para impedirem a homofobia que se generaliza através da palavra”, ressalta um trecho do relatório.



Curiosamente, o nível alarmante de ofensas verbais convive com um ambiente de tolerância e valorização da homossexualidade, no momento em que a cidade acolhe e apóia paradas que reúnem milhares de gays, lésbicas e travestis, evento no qual a pesquisa foi realizada.