CLAM – Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos

EGeS conclui segunda edição

A segunda edição do curso de Especialização em Gênero e Sexualidade (EGeS), ofertado pelo CLAM/IMS/UERJ com o apoio da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), foi encerrada com uma apresentação sobre dados do curso e opiniões e análises de professores e alunos.

A segunda edição teve 160 alunos, selecionados entre 739 inscritos inicialmente. O perfil dos alunos formados – 120 no total – mostrou-se predominantemente feminino: apenas 18% dos cursistas foram do gênero masculino. O curso acolheu alunos de todas as regiões do Brasil, apresentando um perfil geográfico de abrangência nacional.

Durante os 13 meses, foram ministradas seis disciplinas, discutidas em uma plataforma virtual e avaliadas em aulas e provas presenciais ao final de cada uma. A coordenadora acadêmica, Fernanda Alzuguir, destacou o papel que o curso tem para os alunos. “O EGeS capacita profissionais que atuam na área da saúde, educação e ciências sociais de modo que eles possam ter contato com uma reflexão crítica sobre gênero e sexualidade. Nesse sentido, a iniciativa busca transmitir conhecimento que desnaturalize estereótipos que circulam na sociedade”, observou Fernanda Alzuguir, revelando que o projeto para a terceira edição do EGeS, a ser iniciada em 2015, foi aprovado pela Secretaria de Políticas para as Mulheres e contará com uma atualização do conteúdo didático.

Esse conhecimento crítico, lembrou o professor André Barbosa, é importante em três dimensões. “O curso é uma iniciativa muito importante, pois, em primeiro lugar, constitui um espaço para formar pesquisadores e educadores que vão aprofundar suas visões de mundo. Em segundo lugar, acredito que o EGeS possui um grande valor pedagógico na medida em que estimula formações discursivas não-hegemônicas. Por fim, o EGeS me toca em minha condição de cidadão, pois é uma oportunidade de vivenciar um ambiente de trabalho em que a diversidade é valorizada”, observou André Barbosa.

A advogada Rachel Macedo, vice-presidente da Comissão de Diversidade Sexual da OAB-SP e aluna da primeira edição do curso, lembrou como a especialização impactou sua atuação. “O conhecimento do EGeS foi fundamental para meu trabalho. O aprendizado teve um papel decisivo para que eu pudesse pensar e agir a partir de uma perspectiva inclusiva, que garantisse direitos para aqueles que são discriminados ou têm a cidadania ameaçada por razões de gênero e sexualidade. Se não tivesse cursado o Eges, eu ainda assim poderia ter me tornado vice-presidente da Comissão de Diversidade Sexual da OAB-SP, cargo que ocupo hoje. Mas ter feito o curso, sem dúvida alguma, capacitou-me muito mais para ocupá-lo”, afirmou.

A cursista Letícia Lanz destacou o papel do EGeS em dar voz a milhares de pessoas que não são ouvidas pela sociedade e que, muitas vezes, não tem nem nome reconhecido, como nos casos de pessoas trans. Nesse sentido, a cursista avaliou que a especialização contribui para quebrar os valores de uma sociedade machista e tradicionalista. “Moramos em um país que não sabe nada sobre gênero. Mesmo com a revolução feminista, há problemas que persistem. Ainda é comum o gênero ser pensado, na forma de política pública, como uma questão de mulheres pobres. No entanto, é uma questão da vida cotidiana muito mais ampla. Há grandes dificuldades de se diferenciar gênero de orientação sexual. A maior parte das escolas brasileiras não trabalha essas questões”, afirmou a aluna. Além disso, destacou Letícia Lanz, o EGeS também representa uma inovação no âmbito da academia. “Falar de gênero e sexualidade na academia significa ser ousado, pois é um lugar tradicionalista. Por exemplo, não vemos cadeira de gênero e sexualidade nos cursos de medicina, jornalismo, pedagogia, psicologia. São obstáculos e desafios a serem enfrentados”, observou a cursista.

O professor da Uerj André Lázaro, que já foi secretário da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação (SECADI/MEC), destacou o EGeS como uma ação de construção de sujeitos de direitos, ao estimular a reflexão sobre as desigualdades que marcam o Brasil. “O curso é uma necessidade para o país. Por exemplo, temos 2 milhões de professores da educação básica e 50 milhões de alunos. É fundamental que tanto os docentes quanto os estudantes sejam esclarecidos sobre as desigualdades que atravessam no cotidiano. Desses 2 milhões de professores, 80% são mulheres. E mulheres, é importante enfatizar, que estão inseridas em um contexto de assimetrias de gênero: muitas delas enfrentam tripla jornada de trabalho, sendo responsáveis pelo cuidado da casa, estudando e trabalhando. É uma realidade que não é inata, reflete papéis e normas que exigem reflexão e mudança”, afirmou André Lázaro.

Segundo ele, a ênfase nas desigualdades baseadas na orientação sexual e no gênero não basta, no entanto, para dar conta da realidade do país. Tais marcadores devem ser pensados no contexto de outras assimetrias. “As questões de gênero, sexualidade e raça estruturam desigualdades. É comum pensar desigualdade a partir dos indicadores de renda, mas os marcadores estão conectados, entrelaçados. Um não reduz o outro. Precisam ser pensados de maneira articulada”, destacou André Lázaro.

O contexto político atual tem sido conflituoso: os esforços de redução das desigualdades através de políticas públicas e leis enfrentam resistência persistente, sobretudo de setores religiosos dogmáticos e conservadores instalados no Congresso. No final do mês passado, o Plano Nacional de Educação (PNE) foi alterado por pressão de tais setores, que conseguiram a retirada da menção às questões de gênero e orientação sexual como princípios a nortear as políticas educacionais. Nos últimos anos, iniciativas destinadas a promover e garantir direitos de mulheres e da população LGBT sofrem ataques sistemáticos. “No contexto atual, temos que estar atentos à força que o fundamentalismo religioso tem obtido. Tais ações estimulam o preconceito, definindo atitudes de vida e elegendo conteúdos. O retrocesso no PNE indica que o país perde no quesito diversidade. O EGeS, nesse sentido, tem um papel estratégico, que é fomentar a reflexão e formar profissionais atentos à realidade desigual e capazes de alterá-la”, concluiu André Lázaro.