CLAM – Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos

John Gagnon lançará livro no Rio

Encenação da sexualidade


 


Nas décadas de 40 e 50, a publicação dos dois livros sobre sexualidade de Alfred Kinsey – O comportamento sexual do Homem, de 1948,  e O comportamento sexual da mulher, de 1953 – deu origem a uma enorme polêmica nos Estados Unidos. Segundo tais estudos, 92% dos homens americanos e 62% das suas mulheres se masturbavam, e 37% dos homens e 13% das mulheres já tinham tido uma relação homossexual. Embora Alfred Kinsey tivesse introduzido na pesquisa uma dimensão empírica sem precedentes, anos mais tarde sua abordagem naturalista seria posta em xeque pelo sociólogo John Gagnon. Ao lado de William Simon, Gagnon desenvolveu, pela primeira vez, uma abordagem sociológica da sexualidade, isto é, pensar o sexo e a sexualidade como fenômenos sociais. Agora, a obra do sociólogo foi traduzida para o português: o CLAM e a Editora Garamond lançam, no dia 26 de abril, “Uma interpretação do desejo: ensaios sobre o estudo da sexualidade”. Gagnon estará no Rio de Janeiro para o lançamento, que ocorrerá no Museu da República, com a realização de uma mesa-redonda com o autor, o pesquisador francês Alain Giami (INSERM) e a coordenação do CLAM


 


O livro é dividido em duas partes. A primeira apresenta a teoria que fez com que Gagnon se tornasse conhecido nos meios acadêmicos: a idéia de que o comportamento sexual do ser humano é roteirizado.  Foi em Sexual Conduct (A conduta sexual), publicado em 1973, que Gagnon e Simon apresentaram a primeira versão da sua sociologia da sexualidade, fundamentada em uma teoria de scripts sexuais. Nessa teoria, afirmam que os indivíduos usam sua habilidade interativa, bem como material da fantasia e mitos culturais, para desenvolver roteiros (com deixas e diálogos apropriados), como um modo de organizar seu comportamento sexual. Os pesquisadores introduziram uma concepção minuciosa do comportamento sexual como um processo aprendido, que é possibilitado não por impulsos instintivos ou biológicos, mas por se inserir em roteiros sociais complexos, que são específicos de determinados contextos culturais e históricos.


 


“Para Gagnon e Simon é impensável identificar um estado ‘natural’ da sexualidade humana. Todas as nossas experiências sexuais seguem scripts, codificados e inscritos em nossa consciência”, observa o sociólogo francês Michel Bozon, ao usar Gagnon como referência em seu livro “Sociologia da Sexualidade”. Segundo a teoria dos roteiros, os scripts sexuais podem ser usados para descrever e interpretar práticas e situações diversas, como a masturbação, as fantasias sexuais, as relações eventuais e a troca de casais.


 


A teoria dos roteiros sexuais de Gagnon e Simon teve um impacto significativo nos movimentos de liberação feministas e também entre ativistas gays. Com o advento da AIDS, a abordagem de Gagnon e Simon sobre a roteirização da conduta sexual ganhou uma nova importância: compreender os roteiros sexuais permitiu que os investigadores identificassem os riscos de infecção por HIV nas atividades sexuais e desenvolvessem estratégias de prevenção.


 


A primeira parte do livro traz ainda reconsiderações acerca do Relatório Kinsey. No último texto, Gagnon tece considerações a respeito do uso explícito e implícito da perspectiva da roteirização nas pesquisas sobre a sexualidade. Na segunda e última parte, o autor revisita sua mais famosa obra – A conduta sexual.


 


Scripts na adolescência


 


“Minha mãe impôs uma decisão sobre meu destino. Eu deveria ser o filho dela, um filho da Igreja, um filho da respeitabilidade irlandesa, um gráfico ou um funcionário dos correios – nada de ateísmo, nada de anarquismo e nada de trabalhar nas minas”, escreve o autor, no prólogo do livro. O sociólogo lembra que a morte do pai foi a causa dele freqüentar a Universidade de Chicago, onde cursou a graduação a partir de 1949 e a pós-graduação entre 1956 a 1959. A universidade foi, para ele, a motivação maior para que um plano da mãe – o dele ser um filho da Igreja – não dar certo.


 


“À medida que aumentava minha dependência dos textos, enfraquecia-


se o poder da Igreja. Ela era exigente demais, assustadora demais, singular demais. Eu não conseguia tratar a prática religiosa com a mescla necessária de indiferença e apego, para ver o pecado e o perdão como parte de um ciclo de poluição ocasional e pureza fácil. Levava aquilo tudo demasiadamente a sério”, relembra.


 


Gagnon também lembra que, ao beijar pela primeira vez, colocou em prática uma teoria que ele mesmo desenvolveria muitos anos depois: a dos roteiros. “Aprendi sobre beijar com a língua ao ler Forever Amber e sobre a excitação de levantar a saia de uma garota ao ler Studs Lonigan – uma emoção que adquiri sem saber o que deveria espiar embaixo das saias”.