CLAM – Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos

Lei de cotas deveria ser revista

Para a socióloga Jacqueline Pitanguy, uma das diretoras e fundadoras da CEPIA (Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação), vários fatores contribuem para a prevalência do quadro tradicional de exclusão das mulheres na política e nos espaços formais de poder, entre eles, a inadequação da lei de cotas e a ausência de uma agenda política de gênero. “A cultura do poder ainda é marcadamente masculina. O Congresso Nacional vem perdendo legitimidade enquanto espaço de debate de idéias e projetos políticos e os partidos políticos brasileiros são ainda excludentes com relação à mulher. A lei de cotas deveria ser revista, pois funcionou em outros países como a Argentina, e os partidos deveriam introduzir mecanismos de apoio a candidaturas femininas, tornando-as viáveis”, observa a socióloga.

Segundo ela, a baixa participação da mulher nas instâncias do poder legislativo no Brasil contrasta com sua presença no cenário público através de movimentos sociais que levaram a importantes conquistas tanto em termos de avanços legais quanto de espaços institucionais, como Conselhos dos Direitos da Mulher, as delegacias especiais de atendimento à mulher e, mais recentemente, a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres.

“Vivemos, também, um momento de transição entre a predominância de mulheres na política em função de laços familiares e candidaturas independentes, mas sem o apoio das máquinas partidárias. Cabe, ainda, considerar a desmobilização resultante dos embates e agruras de um Congresso com várias Comissões Parlamentares de Inquérito, e denuncias constantes que, para muitas mulheres seria um ambiente por demais agressivo e inóspito”, afirma.

Neste momento, na Argentina, se discute a lei de cotas, a qual estabelece um mínimo de mulheres nos partidos políticos. No Senado argentino, o percentual é de 41,7%. Duas mulheres ocupam Ministérios tradicionalmente considerados masculinos: Economia e Defesa. Além disso, duas mulheres lideram a Corte Suprema de Justiça, fato único na história do país.

“Nosso país está de longe atrás de outros países da América Latina, como a Argentina e o Chile. Para falarmos do Chile, é preciso desconstruir a idéia de país conservador. Este é, sem dúvida, um país conservador em relação a temas como a família, contracepção, reprodução e sexualidade, mas é hoje o primeiro país latino-americano a ter um governo paritário”, analisa Jacqueline, referindo-se à eleição de Michelle Bachelet à presidência chilena nas últimas eleições.

Jacqueline não considera que mulher deva votar em mulher por uma questão de biologia. “Votamos em idéias, propostas, biografias. Mas quando encontramos estas qualidades tanto em homens como em mulheres, deveríamos privilegiar as candidaturas femininas porque, ao ser eleito, o homem permanece onde sempre esteve, no centro do poder. A presença da mulher traz mudanças ao perfil masculino do Congresso e tem efeito pedagógico para a sociedade, mostrando que o legislativo também é um espaço da mulher, entreabrindo uma porta”, finaliza.

Estereótipos regionais

Embora a Argentina ocupe uma posição favorável no panorama mundial, no que diz respeito à participação das mulheres na política, é possível observar por lá alguns estereótipos que perseguem as mulheres nos espaços formais de poder. Presente no seminário A Mulher e a Mídia, realizado em agosto pelo Instituto Patrícia Galvão, no Rio de Janeiro, a jornalista Silvia Fesquet, do jornal Clarín, apontou alguns deles.

“Na Argentina se reforça a idéia de que as mulheres só conseguem cargos importantes na política porque são esposas de algum político importante ou porque têm outros familiares que lhes abriram o caminho, mas não por méritos pessoais. Diz-se que se comprova também que em muitos casos as mulheres que chegam ao poder continuam utilizando a linguagem e as estratégias masculinas como uma maneira de segurar sua permanência no cargo, sem construírem novos modelos de convivência e de trabalho. Assinala-se também o estereótipo ao citá-las pelo seu apelido ou só pelo seu nome de nascimento, critério que não se aplica aos dirigentes de Estado, que são apresentados com nome e sobrenome”, afirmou Silvia.

Também presente ao Encontro, a jornalista uruguaia Ivonne Trias, do Semanário Brecha, apontou as diferenças das relações de gênero no campo político. Ivonne lembrou do apoio do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, ao presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, envolvido em um caso de estupro. “Acredito que, quando Chavez apoiou Ortega, partiu da tese de que ‘os inimigos de nossos inimigos são nossos amigos’. Nós mulheres sabemos que nem sempre os inimigos de nossos inimigos são nossos amigos. Não podemos continuar silenciando a violência contra as mulheres em nome da pátria, em nome da união do partido ou do sistema político”, observou.