A decisão do Comitê Cedaw da ONU de responsabilizar o Brasil por caso de morte materna, publicizada em agosto (leia matéria publicada aqui), amplia o debate em torno da questão para a América Latina. Segundo a OMS, em 1990, aproximadamente 585.000 mulheres morreram por causa de complicações relacionadas à gravidez e ao puerpério em todo o mundo. Somente 5% delas viviam nos países desenvolvidos. Nas Américas, o contraste é evidente ao comparar a Razão de Mortalidade Materna de países como Canadá e Estados Unidos, que apresentam taxas inferiores a nove mortes para cada 100.000 nascidos vivos, com a de países como Guiana e Haiti. Segundo dados do Observatório da Igualdade de Gênero da América Latina e do Caribe da CEPAL, em 2008 estes países registravam, respectivamente, 270 e 300 mortes por cada 100.000 nascidos vivos.
Isto explica por que, em 2000, a Assembléia Geral das Nações Unidas considerou a redução da mortalidade materna como uma das metas contempladas nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM); acordando uma redução de 75% para 2015. No entanto, a região apresenta um panorama complexo e o acesso desigual das mulheres à saúde reprodutiva compromete o alcance desta meta. O CLAM levantou dados concernentes a países-chave da região e consultou especialistas que interpretaram tais dados. A seguir, traçamos um panorama da situação no Chile, Uruguai, Brasil, Argentina, México e Colômbia, seguindo o critério de menor para maior Razão de Mortalidade Materna.
Chile e Uruguai: as taxas mais baixas da região
O Observatório da CEPAL aponta o Chile e o Uruguai como os dois países com a Razão de Mortalidade Materna (RMM) mais baixa na América Latina. Em 2008 eesses países registravam 26 e 27 mortes por cada 100.000 nascidos vivos (n.v.) respectivamente. Por sua vez, Equador e Bolívia se situam no outro extremo, com 140 e 180 mortes. Na metade deste espectro estão, em ordem, Brasil (58), Venezuela (68), Argentina (70), Panamá (71), Colômbia (85), México (85), Paraguai (95), Peru (98), Nicarágua (100), República Dominicana (100), El Salvador (110), Guatemala (110) e Honduras (110).
No caso chileno, estudos mais recentes, como o Estado Mundial da Infância, do Unicef, reportam uma diminuição ainda maior na RMM, com 18 mortes para cada 100.000 n.v. em 2009, mantendo assim a tendência decrescente iniciada na década de 1990, quando foram registradas 41 mortes para cada 100.000 n.v. Edigio Crotti, representante do Unicef no Chile, afirma que o país exibe indicadores similares aos de nações desenvolvidas, graças a um maior investimento na área da saúde materno-infantil nos últimos 50 anos, o que contribuiu para aumentar a atenção profissional do parto e para reduzir as complicações relacionadas à gravidez, parto e ao puerpério.
De acordo com obstetras Enrique Donoso y Enrique Oyarzún (2005), o aborto, que em 1965 provocava cerca da metade das mortes maternas nesse país, sendo a principal causa delas, diminuiu devido ao êxito do programa nacional de Planejamento Familiar. Apesar de não existir informação sobre o uso do misoprostol entre as mulheres chilenas, considera-se que a popularização deste fármaco como método abortivo de auto-prescrição pode ser um fator importante nesta redução. Apesar destes avanços, Enrique Donoso, professor adjunto do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Universidade Católica do Chile, assinala que o país não cumprirá a meta de redução da mortalidade materna contemplada nos ODM, a menos que o Ministério da Saúde chileno reformule suas estratégias para os próximos quatro anos.
No Uruguai, taxas de 2009 da Comissão Nacional para o Monitoramento e Redução da Morte de Mulheres por Gravidez, Parto, Puerpério, Cesariana e Aborto evidenciam uma mudança nas causas de mortalidade materna durante a primeira década de 2000, afirma Alejandra López Gómez, pesquisadora e diretora da ONG Mujer y Salud en Uruguay (MYSU). Ao se comparar estes dados com estudos anteriores (Abracinskas y López, 2004; Briozzo, 2003), observa-se uma caída do aborto inseguro como principal causa de mortalidade materna. Em 2003, eram praticados anualmente 33.000 abortos, taxa elevada se levarmos em conta que naquele ano foram registrados 48.000 nascimentos, explica López. Atualmente, a principal causa de mortalidade materna são as complicações vinculadas ao puerpério.
Para a pesquisadora, a relativa baixa incidência de mortalidade materna neste país se comparada a do resto da região, “responde a fatores associados ao sistema de saúde, nível educativo da população e à implantação de políticas materno-infantis a partir de meados do século XX, que permitiram uma institucionalização de mais de 98% do parto”. Sobre a diminuição nas taxas de abortos, destaca, assim como no Chile, ela aponta como motivo a introdução do misoprostol no mercado clandestino.
Cabe apontar então, em ambos os países, o investimento de décadas em medidas destinadas a garantir a saúde sexual e reprodutiva das mulheres e a generalização do uso do misoprostol como método eficaz e seguro de interrupção da gravidez como fatores que contribuíram para que a RMM destes países diminuísse ainda mais que em países onde o aborto é permitido sob determinadas circunstâncias, como no Brasil, na Argentina, na Colômbia e no México.
Brasil: meta combinada com a ONU para 2015 deve ser atingida em 2040
Em agosto, uma decisão do Comitê CEDAW (Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres) de responsabilizar o Estado brasileiro pela morte de uma mulher em gravidez de alto risco residente em um subúrbio carioca, devido a uma seqüência de erros institucionais e negligências por parte de prestadores de serviços de saúde públicos e privados, levantou o debate em torno do tema. No país, a mortalidade materna caiu cerca de 2,5% ao ano entre 1990 e 2000. Mas entre 2000 e 2011 a taxa anual foi de apenas 0,3%, muito inferior que a média de 3,6% verificada no resto do mundo, de acordo com artigo publicado esta semana na revista The Lancet, que adverte que, se o ritmo de queda da mortalidade materna neste país permanecer nos níveis de hoje, o Brasil só conseguirá atingir a meta pactuada entre os países ONU para 2015 após o ano de 2040.
Uma das causas apontadas pelo estudo publicado na The Lancet é o elevado índice de cesarianas no país – em torno de 47%. Na saúde suplementar, o índice chega a 90%, enquanto no Sistema Único de Saúde (SUS) é de 37%. O recomendado pela ONU é de, no máximo, 15%. A cesariana está mais associada a complicações que podem levar à morte.
Outro problema no país são as sub-notificações. É frequente, sobretudo nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, a falta de certidões de óbito, devido à dificuldade de acesso aos cartórios, a existência de cemitérios irregulares e a uma percepção de carência de utilidade deste documento por parte de um setor da população.
Observou-se uma melhora na coleta de dados a partir de 1996, quando o Ministério da Saúde brasileiro modificou o formulário para a declaração de falecimentos, introduzindo perguntas específicas para detectar as mortes maternas. Assim, estados e cidades que vinham investigando mortes de mulheres em idade fértil começaram a reportar estes dados ao Sistema de Informação de Mortalidade (SIM). Em 1998, a RMM obtida a partir dos falecimentos declarados foi de 64,8 por 100.000 n.v; dez anos depois, a taxa baixou para 58 por 100.000 n.v. Para cumprir com a meta de mortalidade materna dos ODM, é necessário que o país reduza 23 pontos. Especialistas estimam que, se for mantida a tendência atual, o Brasil não cumprirá esta meta.
Entre as causas de morte materna, no Brasil predominam as obstétricas diretas (62,6%), principalmente as hipertensivas, as síndromes hemorrágicas, infecções durante o puerpério e as complicações derivadas do aborto inseguro. Apesar de o aborto ser descriminalizado em casos de estupro de risco de morte à mulher, a incidência das mortes maternas por complicações do aborto clandestino continua alta, o que faz com que esta seja a principal causa de morte materna em alguns estados.
Argentina: baixa implementação do aborto permitido por lei
No período de 1990-2010, a redução da mortalidade materna na Argentina foi baixa, o que faz com que este seja o único dos objetivos do milênio que esse país não conseguirá cumprir. Atualmente a RMM é de 70 por cada 100.000 n.v. Mantendo-se estável a tendência atual, em 2015 a taxa seria de 39 mortes, quando a meta é de 13. Entre as causas mais frequentes estão “as complicações do aborto (25.6%), as hemorragias pós-parto (58.7% entre o parto e os 42 dias de puerpério), as infecções/sepsis e os transtornos hipertensivos derivados da gravidez” (Andina, 2007: 1).
Mariana Romero, pesquisadora do Centro de Estudios de Estado y Sociedad (CEDES), explica que apesar de neste país existirem planos de ação para diminuir a mortalidade materna, não existem normativas legais para este fim. Estes planos provêm de propostas realizadas pelo Ministério da Saúde nos últimos 20 anos, que os estados aplicam de diferentes modos e que, devido ao caráter federal e independente das mesmas, poucas vezes se consegue traduzir adequadamente os enunciados nacionais na esfera estadual. “Isto acaba por gerar uma brecha entre os enunciados nacionais e a realidade de cada estado. No estado de Formosa se observam as taxas de mortalidade materna mais altas do país, vinte vezes mais alta que na cidade de Buenos Aires. Então, se conclui que este plano não responde ao diagnóstico presente neste estado”, conclui a pesquisadora.
A isto se soma que o Plano Nacional direcionado a este fim “não é específico para as mortes maternas; as inclui, mas é basicamente materno-infantil”, assinala Romero. Segundo ela, disto se derivam duas conseqüências: por um lado, “os determinantes de morte materna são muito diferentes dos de morte infantil, e ao serem contempladas em um plano conjunto as ações específicas de um e de outro se confundem”, observa. Por outro, a mortalidade materna só é considerada em função da prevenção da mortalidade infantil, o que “acaba por tirar de foco a especificidade da morte da mulher durante a gestação”.
Na lenta diminuição da mortalidade materna na Argentina se destaca um terceiro elemento, levando-se em conta o número de mortes ocasionadas pela prática insegura do aborto: a baixa aplicação do artigo 86 do Código Penal, que permite o aborto para evitar um perigo à vida ou à saúde da mulher ou se a gravidez é resultante de estupro de uma mulher “idiota ou demente” (Incisos 1º e 2º).
Em 2000, o Comitê CEDAW recomendou ao Estado argentino a aplicação desta norma, entre outras medidas, para reduzir a mortalidade materna. Dez anos depois, na reunião do Comitê, a Argentina informou a publicação de novas normas para a aplicação desta lei dentro do Sistema de Saúde. No entanto, no dia seguinte o Ministério desmentiu o anúncio, alegando que o guia já estava em curso e não requeria autorização ministerial, relata Romero. Na opinião da pesquisadora, isto fez com que muitas equipes de saúde do país questionassem a obrigatoriedade da implementação do guia, frente à falta de respaldo do Ministério. O Comitê denunciou esta situação na formulação de novas recomendações e tomou a medida excepcional de fazer um acompanhamento periódico mais freqüente a este caso, e em 2012 a Argentina deverá prestar contas sobre a implementação da norma sobre o aborto não criminalizado.
México: taxas contraditórias
De acordo com o citado informe da CEPAL, México e Colombia registravam a mesma Razão de Mortalidade Materna (RMM) em 2008: 85 mortes por 100.000 n.v. No caso mexicano, esta informação se contradiz com os dados reportados pela Direção Geral de Informação em Saúde (DGIS) da Secretaria de Saúde daquele país, que registram um decréscimo de 66,7 em 2003 para 57,2 mortes por 100.000 n.v. em 2008. Estatísticas oficiais do Centro Nacional de Equidade de Gênero e Saúde Reprodutiva (CNEGySR) apoiariam os dados da CEPAL, ao assinalar que o percentual de mortes maternas ocorridas em estabelecimentos de saúde se incrementou de 86% em 2004 para 88% em 2008, o que evidenciaria uma tendência de aumento e não de diminuição. De acordo com informações do Sistema Nacional de Informação em Saúde (SINAIS), esta divergência poderia ser explicada pelo fato de que somente 50 % das mortes maternas ocorridas entre 2004 e 2007 foram reportadas como egressos hospitalares na Secretaria de Saúde do México, o que evidenciaria um problema de sub-registro similar ao do Brasil.
Un relatório de junho deste ano da Direção Geral de Epidemiologia da Subsecretaria de Prevenção e Promoção da Saúde da Secretaria de Saúde Federal aponta, como principais causas de morte materna no México, a Pré-eclampsia-Eclampsia (24,9%), seguida da hemorragia pós-parto (22,7%), sepse ou infecção puerperal (7,8%), pneumonia (6,0%) e embolia pulmonar (4,4%). As complicações por aborto inseguro representam 2,6% do total de mortes e ocupam o 9º lugar.
Para a demógrafa Ivonne Szasz, professora e pesquisadora do Centro de Estudos Demográficos, Urbanos e Ambientais do Colégio de México, estes números mostram um panorama complexo para a prevenção futura da mortalidade materna, devido à atual redução de gastos públicos do setor da saúde. A pré-eclampsia-Eclampsia e a hemorragia pós-parto, as duas principais causas de mortalidade materna no país, podem ser prevenidas parcialmente, afirma a especialista, “caso haja traslados oportunos nas unidades de saúde, com bancos de sangue e melhoramentos na capacidade para realizar transfusões – que são escassas e estão concentradas nas zonas urbanas – ou atenção especializada oportuna no momento do parto – o que requer incrementar o número de especialistas e equipes nas zonas mais afastadas”.
As baixas taxas reportadas de mortalidade por aborto chamam a atenção de Szasz, dado o marco legal altamente restritivo que impera no país, com exceção do Distrito Federal. A especialista, que coordenou o livro “Salud reproductiva y condiciones de vida en México” (2009), cita uma pesquisa recente de 2010 que registrou um aumento na taxa de aborto estimada para mulheres de 15 a 44 anos de 25 para 33 por cada mil mulheres, entre 1990 e 2006. Por isso considera que as baixas taxas de mortalidade por aborto podem dever-se ao fato de a concentração da interrupção voluntária da gravidez concentrar-se na população das classes médias e altas, “que são as que podem pagar por serviços privados de boa qualidade”, revela. Em sua opinião, “isto implica que as mulheres mexicanas que interrompem suas gravidezes tendem a fazê-lo com métodos relativamente seguros”. No entanto, esclarece que a tendência ao aumento da interrupção voluntária da gravidez continua sendo “um dos grandes desafios futuros, que requer mudanças nas legislações sobre aborto para além do Distrito Federal e melhor acesso à anticoncepção para as pessoas jovens”.
Em julho passado, foi apresentada, durante a Oficina da Organização das Nações Unidas no México, uma avaliação sobre os avanços dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio naquele país. Na ocasião, Magdy Martínez Solimán, representante residente do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, afirmou que se continuar a tendência dos últimos anos, o país não poderá cumprir com o objetivo referente à redução de mortes maternas, que, neste caso, supõe uma diminuição a menos de mil falecimentos totais por ano. Durante o primeiro semestre de 2011, o Observatório de Mortalidade Materna no México, entidade formada por instituições acadêmicas e da sociedade civil de diferentes estados, indicou que nos primeiros quatro anos da década passada, a razão de mortalidade materna (RMM) foi reduzida em 4% anual, quando se requeria ao menos 5% de diminuição para se chegar a 2015 com uma RMM não maior que 22 por cada 100.000 n.v. De acordo com os dados do último ano, agora a exigência é maior pois, para alcançar a meta em 2015, será preciso pelo menos um decréscimo médio de 7,5% anual.
Colômbia: falhas na atenção e violência
Segundo o estudo “Mortalidad relacionada con el embarazo, Colombia 1985-2005”, da Universidade de Antioquia, a RMM do país em 2005 foi de 75,6 mortes por 100.000 nascidos vivos. Se comparadas estas taxas com a informação da CEPAL para 2008, observa-se um incremento de 9,4 pontos neste indicador. Segundo as pesquisadoras Esther Liliana Cuevas Ortiz e Dora Elena Fino Sandoval, que participaram do estudo, a mortalidade associada à gravidez é, na Colômbia, a primeira causa de mortes de mulheres em idade reprodutiva.
Entre as principais causas de mortalidade materna, as pesquisadoras apontam a toxemia (o pré-eclampsia), seguida da hemorragia associada ao parto. “A terceira causa, surpreendentemente, foi o homicídio. Em relação a esta terceira causa, chama a atenção que grande parte desses casos aconteceu em casa (mais de 30%), o que é preocupante porque pode indicar situações de violência intrafamiliar”, afirmam. A esta causa se segue o suicídio, o que, na opinião das pesquisadoras, põe um alerta público a respeito da situação emocional das gestantes.
Em maio de 2010, a Oficina na Colômbia do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) publicou um Comunicado sobre mortalidade materna, no qual assinalou que 98% das mortes de mulheres grávidas no país são evitáveis. A Oficina afirma que “Apesar de ser um país onde 97% dos partos são atendidos em instituições de saúde (e não em casa), persistem problemas de qualidade nos serviços”. Isto se traduz em uma alta razão de mortalidade de mulheres gestantes para o nível de desenvolvimento do país.
Entre os principais problemas na atenção das gestantes que poden provocar sua morte, UNFPA Colombia destaca “demoras em tomar a decisão de chegar ao centro de saúde a tempo, em boa medida por falta de informação e reconhecimento dos direitos das mulheres gestantes, e por condições culturais de sub-valoração das necessidades das mulheres (se sub-valoram os sintomas e sinais de alerta, por exemplo, por parte da família, os companheiros etc.)”. Em segundo lugar, as dificuldades para acessar os centros de saúde devido a barreiras geográficas e dificuldades econômicas. Em terceiro lugar, as barreiras administrativas “que dificultam o acesso oportuno a uma atenção especializada e de qualidade”. O documento conclui que “A maioria dos eventos de mortalidade materna acontecem por falhas na qualidade da atenção médica e hospitalar, expressada em um serviço ineficiente e não especializado da gravidez, do parto e do pós-parto”.
Mulheres pobres: as principais vítimas
Apesar de o Uruguai ter uma das menores razões de mortalidade materna da região, em se tratando de quem são as maiores vítimas nas taxas de mortalidade materna, o país parece acompanhar a tendência da região. Alejandra López Gómez assinala que “a informação disponível no Uruguai indica que as mulheres que vivem no interior do país parecem estar mais expostas à mortalidade materna do que as que residem em Montevidéu”. A pesquisadora salienta que, de acordo com os estudos para esse país, a maioria das vítimas são mulheres com baixo nível educacional (menos de seis anos de instrução), pobres, residentes nas zonas suburbanas ou rurais, de meia idade e com filhos.
No Brasil também é difícil estabelecer tendências nacionais deste tipo devido aos problemas de sub-registro. Uma análise geral indicaria que as regiões mais pobres – Norte (56,1), Nordeste (54,8) e Centro-oeste (57) – apresentam, paradoxalmente, uma menor RMM do que aquelas que reportam um Produto Interno Bruto maior – Sul (76,2) e Sudeste (70). No entanto, especialistas explicam que estas disparidades podem dever-se ao fato de que estas últimas regiões apresentam um registro mais fiel dos óbitos que as primeiras. Nelas, inclusive, o perfil das mulheres que morrem é o mesmo perfil da Alyne da Silva Pimentel, a brasileira por cuja morte o país foi responsabilizado pelo Comitê Cedaw: negra, pobre e moradora de região carente.
A respeito das variáveis sociais relacionadas à mortalidade materna na Argentina, Mariana Romero assinala que “levando em conta a densidade da população, os estados com maior pobreza estrutural são os que têm os maiores índices de morte materna; o que indica uma relação entre ambas variáveis, considerando a pobreza em dois sentidos: a pobreza estrutural desses estados e a concreta dessas mulheres”. Neste sentido, esclarece, uma mulher de classe média sempre terá menores possibilidades de morrer durante o parto e o puerpério que uma com menores recursos, “mas se vive em Formosa, por exemplo, sua possibilidade de acessar de forma oportuna uma atenção médica adequada será menor que uma de iguais recursos na cidade de Buenos Aires”. Em termos gerais, a especialista aponta que as taxas mais altas de mortalidade materna se dão nas províncias do Noroeste (Salta, Jujuy, Tucumán, Catamarca, La Rioja e Santiago del Estero) e Nordeste argentino (Chaco, Formosa, Corrientes y Misiones).
No México, a probabilidade de morrer para uma mulher por causas obstétricas é 5 vezes maior num estado do Sudeste (região onde se encontram os estados com menor PIB em porcentagem de participação) comparado com um estado do Norte. Frente a este panorama, Ivonne Szasz afirma que “a desigual distribuição dos recursos para a saúde faz com que as causas de mortalidade materna que persistem requeiram esforços mais intensos e estratégias diversificadas adaptadas a contextos específicos, como os mais pobres, rurais e indígenas. Além disso, é preciso acabar com as deficiências no sistema de saúde, como a escassa supervisão do setor privado, desigualdades entre estados, lógicas burocráticas e escassez de recursos no setor público”.
Na Colômbia também as taxas de mortalidade materna revelam marcas das desigualdades por regiões. Enquanto Bogotá reporta uma RMM de 44,6 por 100.000 n.v., o que a situa abaixo do indicador nacional, e Cundinamarca, 75,6, os estados mais pobres registram altas taxas neste indicador: Chocó (213,3), Vaupés (585,9) e Vichada (624). A mortalidade materna é dramática nas zonas marginais do país, com alta população indígena e negra. Segundo o SIVIGILA (Sistema de Vigilância Epidemiológica), a razão de mortalidade materna nas populações indígenas é três vezes superior à nacional e em mulheres afro-colombianas é 1,6 vezes maior que a nacional. A pesquisa citada da Universidade de Antioquia revela que nesses estados há municípios que inclusive reportam mais de 3.000 mortes maternas por 100.000 nascidos vivos.
Referências citadas
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