CLAM – Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos

Nova edição do EGeS é iniciada

A 3ª edição do Curso de Especialização em Gênero e Sexualidade (EGeS) foi formalmente iniciada no último dia 27 de março. Destinado a formar profissionais das áreas de saúde, educação e ciências humanas e sociais em temas ligados às relações de gênero e sexualidade, o curso é uma iniciativa do CLAM/IMS/UERJ com apoio da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM). A nova edição terá duração de 12 meses e contará com 155 alunos, divididos em cinco turmas que debaterão, sob a coordenação de um professor online, o conteúdo em ambiente virtual. Ao final de cada disciplina, haverá uma aula presencial e avaliação.

A tônica do EGeS, desde sua primeira edição, é privilegiar uma abordagem sócio-antropológica para discutir e ampliar as reflexões em relação às relações sociais no que tange às dimensões de corpo, gênero e sexualidade. Conforme destacou Vanessa Leite, coordenadora-acadêmica do curso, durante a cerimônia inaugural, “nossa intenção é formar profissionais tendo em vista o caráter de construção social das diferenças e desigualdades”. Sobretudo em se tratando do momento histórico e político do país, no qual há um acirramento da reação conservadora à possibilidade de avanços nos direitos sexuais e reprodutivos. Por isso, de acordo com o coordenador do CLAM, Horácio Sívori, “o EGeS é uma forma de engajamento acadêmico, uma resposta às desigualdades colocadas a partir do exercício da sexualidade e dos papéis de gênero”.

A aula inaugural foi ministrada pelo professor Sérgio Carrara. A reflexão centrou-se nos conceitos de diferença e desigualdade. Para o professor, o que marca as sociedades humanas são as diferenças. Todos os grupos sociais são atravessados por essas diferenças e o problema surge quando, a partir delas, delineiam-se desigualdades. Isso ocorre quando existe uma distribuição desigual de poder e prestígio. Nesse sentido, as diferenças inerentes a diversidade da espécie humana tornam-se motivos para a construção e legitimação de hierarquias e formas de dominação.

Os regimes de dominação são historicamente visíveis nas relações coloniais. Conforme sublinhou Sérgio Carrara na aula, umas das representações centrais para a legitimação da exploração de sociedades por outras consistia na ideia de que havia uma linha civilizatória entre, por exemplo, europeus (colonizadores) e índios, negros e asiáticos – vistos como naturalmente inferiores e, portanto, passíveis de exploração.

A naturalização das diferenças opera, nesse sentido, como um pilar importante para a sustentação das desigualdades. A partir de diferenças são erigidas desigualdades, um fenômeno eminentemente social. O mesmo ocorre quando estão em jogo diferenças localizadas no âmbito do gênero e da sexualidade, de onde partem regimes de categorização e separação que projetam desigualdades, do que são prova, por exemplo, a exclusão das mulheres do direito ao voto no passado ou o atual fenômeno da violência de gênero – processos que são detalhadamente estudados ao longo do EGeS.

De acordo com o professor Sérgio Carrara, são inúmeras as formas pelas quais as desigualdades são produzidas. Mesmo depois das chamadas revoluções burguesas, que tinham como discurso formal a instauração da igualdade, as formas de dominação encontraram novas linguagens para legitimar as desigualdades. A ciência foi uma delas, pois se constituiu como uma via privilegiada para validar a distribuição desigual de poder. Assim, as diferenças raciais, de gênero e de orientação sexual passaram por um processo de inscrição corporal. A antropologia física, por exemplo, tomava medidas do crânio para naturalizar diferenças e, simultaneamente, justificar competências e fragilidades entre grupos humanos. Por essa lógica, vale dizer, negros já foram considerados como “naturalmente” mais propensos ao crime.

O EGeS busca, através da perspectiva das ciência sociais, olhar para as diferenças e explorar os processos sociais, históricos e políticos – que envolvem desde doutrinas religiosas até a linguagem biomédica – que as transformaram em desigualdades. É, portanto, um curso de caráter crítico. “Os movimentos feminista, negro, LGBT, anti-colonial são respostas às desigualdades, interrogam às fundamentações para a distribuição desigual de poder e para a formação de hierarquias. Penso que o EGeS é um esforço que acompanha e alimenta o processo de questionamento das desigualdades fundadas em gênero e sexualidade e que afastam indivíduos da possibilidade de uma vida digna e cidadã”, finalizou o professor Sérgio Carrara.