Pela primeira vez na história, o Brasil mapeou oficialmente o número de casamentos civis entre pessoas do mesmo sexo. A pesquisa Estatísticas do Registro Civil, realizada pelo IBGE, mostrou 3.701 casamentos homoafetivos oficializados em 2013.
De acordo com o estudo, tais casamentos homoafetivos representaram 0,35% do total de uniões do tipo celebradas no país em 2013 (1.048.776). Na divisão por gênero, os casais compostos por mulheres foram responsáveis por 1956 casamentos (52%) e os compostos por homens representaram 1775 (48%). A diferença não é tão significativa se considerarmos o fato de as mulheres serem maioria na população – existem 5,2 milhões a mais, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) de 2013. Esse relativo equilíbrio entre casamentos entre homens e entre mulheres parece contradizer o senso comum de que lésbicas tenderiam a se casar mais do que gays.
Entretanto, outros dados apontam para diferenças importantes. A região Sudeste, por exemplo, concentrou a maioria dos casamentos homoafetivos: 2408 foram realizados na região, ao passo que as outras regiões registraram números significativamente menores: Sul (525); Nordeste (497); Centro-Oeste (215); Norte (56). Na ponderação por 100 mil habitantes, o Sudeste também lidera o ranking, com 3 casamentos entre pessoas do mesmo sexo para cada 100 mil. O Sul ficou em segundo, com 2/100 mil; Centro-Oeste, com 1,5/100 mil; Nordeste, com 1/100 mil e Norte, com 0,35/100 mil.
O contexto regional parece ser, portanto, um elemento importante a se considerar. E não apenas devido às desigualdades socioeconômicas – o Sudeste é a região mais populosa (80.353.724), industrializada e com maior participação no Produto Interno Bruto (PIB). Uma das hipóteses levantadas pelo professor Sergio Carrara (CLAM/IMS/UERJ) é que, no Rio de Janeiro e em São Paulo, tem havido iniciativas do poder público no sentido de promover a cidadania LGBT. Tanto que em ambos os estados cerimônias de casamentos coletivos são organizadas periodicamente para celebrar a união de pessoas do mesmo sexo. Em dezembro de 2013, a Superintendência de Direitos Individuais, Coletivos e Difusos (SuperDIR), do Rio de Janeiro, promoveu cerimônia coletiva para 130 casais homoafetivos, colocando o mês como o período com maior número de uniões entre mulheres no estado e na capital. Em São Paulo, o poder público, através da Secretaria Estadual da Justiça e da Defesa da Cidadania e a Coordenadoria Municipal de Assuntos da Diversidade Sexual, constituem ferramentas de promoção de direitos LGBT. O estado de São Paulo, por exemplo, foi responsável por 1945 celebrações em 2013, totalizando mais de 50% do total de casamentos homoafetivos realizados no país.
Esta é uma mirada parcial sobre as ações dos Poderes Executivos pelo País. Desde 2011, vale dizer, avanços têm sido obtidos no âmbito dos direitos civis de pessoas LGBT também em outras esferas. Naquele ano, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a união civil entre pessoas do mesmo sexo, equiparando-a às uniões heterossexuais e garantindo, portanto, uma série de direitos até então inexistentes. Em 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou resolução obrigando os cartórios a converter em casamento civil as uniões estáveis homoafetivas. Já no Congresso, o cenário é menos animador, em razão da atuação de setores religiosos dogmáticos que impedem a ampliação de direitos LGBT.
Para Sergio Carrara, a pesquisa do IBGE levanta muitas outras reflexões. “O Sudeste é uma região com forte urbanização, o que tende a favorecer a individualização e a enfraquecer a pressão de famílias e comunidades no sentido de que tais uniões não sejam publicamente (re)conhecidas. Há que refletir também sobre a importância da classe social nessa distribuição diferencial de casamentos. Ainda não é possível ter conclusões a partir da pesquisa, sobretudo porque o país é muito diverso e porque muitos fatores condicionam esses números. Urbanização, condições socioeconômicas, classe social, estrutura e ação do Estado, o custo do casamento – que varia por estado -, entre outros fatores, são interessantes para a avaliação dos dados da pesquisa”, pondera Sergio Carrara.
De fato, o Sudeste concentra o maior número absoluto de casamentos entre pessoas do mesmo sexo e também o maior o número na ponderação por 100 mil habitantes. Mas, quando se compara os dados a partir da ponderação do número total de casamentos (heterossexuais e homossexuais) por 100 mil, o Centro-Oeste desponta como primeiro lugar. Em 2013, o número total de casamentos na região foi de 635 para cada 100 mil habitantes. O Sudeste fica em segundo lugar, com 633/100 mil. “São números que abrem muitas perguntas. Por que, considerando-se os casamentos heterossexuais, casa-se mais no Centro-Oeste? Que fatores levam as pessoas a buscar a oficialização do casamento? Como isso se relaciona com as relações sociais locais? Por ser a primeira vez que esse tipo de mensuração é feita, ainda é cedo para conclusões. Ainda não é possível traçar uma linha de tendências. Em todo caso, a pesquisa servirá como marco zero para a medição das tendências e para a análise social no campo da cidadania LGBT”, finaliza Sergio Carrara.