CLAM – Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos

O caso argentino como exemplo

Após as sentenças do Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro — que reconheceu que casais homoafetivos têm direito à união estável com os mesmos efeitos que as uniões estáveis de homem e mulher — e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) — que reconheceu o direito ao casamento civil de um casal de lésbicas do Rio Grande do Sul —, casais do mesmo sexo começaram a inscrever suas uniões estáveis e pedir à justiça a conversão em casamento. No Rio de janeiro, entre 2011 e 2012 foram feitas três cerimônias comunitárias para celebrar 200 uniões estáveis, e agora, os casais poderão oficializar o casamento na primeira cerimônia coletiva do casamento comunitário gay do Rio, marcada para 8 de dezembro no Tribunal de Justiça do estado. As inscrições estão sendo feitas através do Programa Rio sem Homofobia.

Graças à sentença do STF, muitos juízes brasileiros começaram a admitir que, se os casais do mesmo sexo podem registrar a união estável e convertê-la em casamento, não há razão para que eles não possam se casar de forma direta. As corregedorias de justiça de vários estados convalidaram esse critério e, aos poucos, mais estados passaram a regulamentar por essa via o casamento civil igualitário. Em maio de 2013, uma resolução do Conselho Nacional da Justiça (CNJ) regulamentou o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo em todo o país. Na prática, qualquer casal já pode se casar normalmente em qualquer cartório brasileiro.

Falta, porém, que o poder Legislativo se alinhe ao poder Judiciário nesta matéria e que a conquista do CNJ se traduza numa legislação do Congresso Nacional, onde tramita um projeto de lei de casamento civil igualitário (leia íntegra do texto), de autoria dos deputados federais Jean Wyllys (PSOL-RJ) e Érika Kokay (PT-DF), que estão recolhendo assinaturas (Clique aqui para assinar) para uma proposta de emenda constitucional (PEC).

A PEC altera os parágrafos 1, 2 e 3 do artigo 226º da Constituição Federal, cuja redação atual estabelece que ”A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. Se a PEC for aprovada, o novo texto do artigo 226º (parágrafos 1, 2 e 3) passa a estabelecer que ”A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”, mas que, porém, “o casamento é civil e é gratuita sua celebração, e será realizado entre duas pessoas e, em qualquer caso, terá os mesmos requisitos e efeitos sejam os cônjuges do mesmo ou de diferente sexo. O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei. Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre duas pessoas, sejam do mesmo ou de diferente sexo, como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.

A campanha brasileira é inspirada na experiência argentina, que tem hoje uma das legislações mais avançadas em direitos LGBT do mundo: além do casamento igualitário, o país tem também uma lei que define identidade de gênero como a "vivência interna e individual tal como cada pessoa a sente, que pode corresponder ou não ao sexo determinado no momento do nascimento, incluindo a vivência pessoal do corpo". A norma estabelece que qualquer pessoa possa solicitar a retificação de seu sexo no registro civil, incluindo o nome e a foto de identidade, e faz com que a mudança de sexo não necessite mais do aval da justiça ou de laudo médico ou psicológico para reconhecimento, e que o sistema de saúde deva incluir operações e tratamentos para a adequação ao gênero escolhido, só quando solicitado e não como passo obrigatório para a mudança de identidade civil.

A pauta do casamento igualitário na Argentina e no Brasil

Publicado na Argentina em novembro de 2010, poucos meses depois da aprovação da lei de matrimônio igualitário por lá, o livro Casamento Igualitário está sendo lançado no Brasil traduzido ao português pela Editora Garamond. Escrito pelo jornalista Bruno Bimbi, assessor do deputado Jean Wyllys e coordenador da campanha pelo casamento civil igualitário no Brasil, o livro retrata os bastidores do processo – que, em pouco mais de três anos, mudou uma lei que parecia intocável –, relata como foram criadas as condições para o debate, e como um movimento social – do qual o autor fazia parte – conseguiu ganhar o apoio de políticos que antes não falavam no assunto e provocar uma mudança cultural. Para Bruno Bimbi, a resposta à pergunta ”Como foi possível?”pode ser útil para que outros países onde o tema está sendo discutido de diferentes modos – como Equador, México e Brasil – possam avançar na matéria. (Clique aqui e ganhe 40% de desconto na compra do livro

Segundo o autor, a comparação entre o Brasil e a Argentina é paradoxal. Em 2007, quando a Federação Argentina LGBT lançou a campanha pelo casamento igualitário no país, a percepção que se tinha era que o Brasil estava muito mais avançado do que a Argentina, onde governava o peronismo — nas palavras de Bimbi, “uma versão mais progressista do peronismo, talvez a melhor que este movimento político já produziu, que foi o governo de Néstor Kirchner e o primeiro da Cristina”.

“Mas não deixava de ser o peronismo, que nunca foi um partido ‘gay friendly’. Tem um romance belíssimo do escritor Osvaldo Bazán – La más maravillosa música – que conta a história de amor entre um militante da Frente de Libertação Homossexual e outro da organização Montoneros na década de 1970 e serve para entender o quanto a esquerda peronista (e boa parte da esquerda de modo geral) era homofóbica — imagina então a direita. Nós tínhamos confiança nos Kirchner, achávamos que com eles poderia haver uma mudança. Mas tínhamos muito mais confiança no Partido dos Trabalhadores brasileiro. Imaginávamos que poderíamos convencer os Kirchner, mas um governo do PT nem precisaria ser convencido. Quando Marta Suplicy falava sobre casamento gay em congressos da centro-esquerda argentina, na década de 1990, as pessoas achavam que aquela mulher era louca. O Brasil fazia uma parada gay que reunia dois milhões de pessoas em São Paulo, enquanto na de Buenos Aires não passavam de 20 mil. Mas a política seguiu caminhos surpreendentes nos dois países”, avalia Bruno Bimbi.

O autor relata que, à época do nascimento da Federação Argentina LGBT, foram escolhidas como programa político cinco prioridades nacionais, das quais a primeira era o casamento igualitário, uma vez que era o que mais convinha do ponto de vista estratégico.

“Nós lutamos pelo casamento não apenas pelo casamento em si, mas pelo impacto cultural, social e político que essa pauta podia trazer. A questão não era apenas a aprovação da lei e suas consequências imediatas, mas o debate que essa pauta geraria na opinião pública. De novembro de 2009 a julho de 2010, que foi o período mais intenso de debate sobre o casamento igualitário, todos os dias o tema estava nos jornais, nos noticiários, no rádio e, portanto, nas discussões de bar, no jantar familiar, na fila do ônibus e dos bancos, no trabalho das pessoas, na universidade. Todo mundo estava falando nisso. E milhares de pessoas ‘saíram do armário’ para poder falar em primeira pessoa. Foi um processo inédito que gerou uma mudança cultural enorme, muito mais importante do que a lei em si. Dois anos depois, a lei de identidade de gênero foi aprovada por unanimidade no Senado, porque até os que eram contra votaram a favor. Votar contra era politicamente incorreto”, conta.

Segundo ele, a diferença estratégica entre o movimento LGBT brasileiro e o argentino é que o primeiro insiste em colocar como prioridade a criminalização da homofobia. “É uma pauta negativa, que não terá consequências práticas importantes e que vem com uma série de problemas, porque aumenta o estado penal e reforça o discurso de que tudo se resolve com punições”, diz.

E aí surge outra diferença com a Argentina. “Lá o debate sobre o casamento igualitário nasceu como iniciativa da sociedade civil, da Federação Argentina LGBT, na qual convivem militantes sociais que fazem parte de diferentes partidos políticos, mas entendem que a camiseta partidária não pode estar por cima da luta social. Militantes da base governista e da oposição trabalharam juntos para aprovar as leis. No Brasil, boa parte do movimento está muito partidarizado”.

Prefaciado na edição brasileira por Jean Wyllys, o livro relata as conversas dos militantes com o governo – incluindo uma longa discussão com o ex-ministro-chefe da Casa Civil do governo de Cristina Kirchner, na qual ele assumiu uma série de compromissos antes das eleições de 2009 – e também os diálogos com a oposição; as brigas internas no Judiciário entre juízes favoráveis e contrários; a estratégia judicial e legislativa usada; as pressões da Igreja, e em particular, o papel do então cardeal Jorge Bergoglio, atual papa Francisco. No capítulo intitulado "Realpolitik", o autor explica como foi a "contagem de votos" no Senado.

Se por lá os maiores opositores ao casamento entre pessoas do mesmo sexo foram os grupos de ultra-direita e a Igreja – capitaneada por Jorge Bergoglio, que, segundo relatos do autor, declarou a “guerra santa” em público, mas sustentava outra posição em privado –, no Brasil os maiores obstáculos, segundo o ativista, são a chamada bancada religiosa do Congresso Nacional e a coalizão do governo com a base aliada, formada em sua maior parte por partidos de direita, ligados a setores conservadores. “Muito da experiência argentina pode ser usado no contexto brasileiro, mas há também muita coisa nova, porque o Brasil tem suas particularidades e é diferente da Argentina em muitos aspectos”, finaliza Bruno Bimbi.

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