Com variadas referências empíricas e teóricas, os artigos publicados neste número de Sexualidade, Saúde e Sociedade trazem contribuições significativas para a reflexão da política sexual contemporânea na América Latina em seus diferentes aspectos.
Isto é mais evidente nos trabalhos de Moraes & Ribeiro, Nardi & Quartiero, e Nieto Olivar, que têm no centro de sua preocupação os limites e as vicissitudes de importantes projetos políticos estatais (ou em diálogo com o Estado). Neles, a partir da linguagem dos direitos humanos e dos direitos sexuais, busca-se não apenas proteger certos sujeitos, mas a própria sexualidade (e o prazer sexual), concebida como dimensão da experiência humana a ser reconhecida e respeitada. Abrem aos leitores um conjunto de cenas absolutamente atuais: homens, “autores de violência contra a mulher”, participam compulsoriamente de “grupos de reflexão” de um Juizado carioca instaurado a partir da promulgação da lei conhecida como “Lei Maria da Penha”; prostitutas ativistas de diferentes países da região debatem as melhores maneiras de enfrentar o estigma que recai sobre elas; militantes gays, lésbicas e travestis participam de projetos discutindo “diversidade sexual” com professores de escolas públicas financiados pelo Ministério da Educação, nos quadros das ações previstas no Programa Nacional Brasil sem Homofobia. Trata-se de alguns dos dilemas cruciais para a afirmação dos direitos sexuais como direitos humanos e dos sinuosos trajetos das ações propostas para implantá-los.
Trabalhando no sudoeste colombiano, Fernando Urrea e Jorge Moncayo discutem a incorporação diferencial, segundo linhas de raça, classe e orientação sexual, de atitudes – como a valorização do prazer sexual das (e pelas) mulheres. Atitudes estas que estariam nas bases das novas políticas sexuais, mas que seriam de difícil efetivação em casos em que o prazer sexual aparece associado a interesse econômico, como chama a atenção a “puta” ativista Gabriela Leite, no texto de Nieto Olivar. As complexas relações entre sexo e dinheiro também são abordadas por Fernando Pocahy. A partir de uma perspectiva da psicologia social, seu artigo traz uma “cartografia”, fruto do trabalho de campo empreendido em um bar gay de Porto Alegre, e discute como gênero, idade e relações monetarizadas se entretecem na produção de sujeitos socialmente (in)intelegíveis.
Por fim, a análise histórica de Cecilia Rustoyburu sobre o discurso da biotipologia na Argentina dos anos 1930 oferece outro ângulo para a observação da política sexual contemporânea, revisitando o contexto de formação do horizonte heteronormativo que os recentes movimentos sociais e as gramáticas legais e institucionais procuram desfazer.