Foi protocolada em 2017 na justiça brasiliense a Ação Popular (nº 1011189-79.2017.4.01.3400) com pedido de liminar objetivando a suspenção dos efeitos da Resolução 01/1999 do Conselho Federal de Psicologia (CFP), que proíbe qualquer prática de patologização da homossexualidade por parte de membros matriculados dessa classe profissional. O pedido foi parcialmente acatado pelo juiz Waldemar Cláudio de Carvalho, da 14º Vara Federal do DF, que manteve a integralidade do texto da Resolução 01/99, mas determinou que o CFP a interprete de modo a não proibir que psicólogos(as) façam atendimento em que ofereçam “reorientação sexual”. Em setembro de 2018 o CFP ingressou no Supremo Tribunal Federal (STF) com reclamação constitucional (nº 31818) solicitando a suspensão dos efeitos dessa sentença e a extinção da respectiva ação, a fim de manter a integralidade dos efeitos da Resolução 01/99. Nessa quarta-feira, 24 de abril de 2019, a Ministra Cármen Lúcia concedeu liminar que determina não caber aos profissionais da Psicologia no Brasil o oferecimento de qualquer tipo de prática de “reversão sexual”, além de determinar a imediata suspensão da tramitaçãa da ação popular e todos seus efeitos, “mantendo-se íntegra e eficaz a Resolução CFP 01/99”.
Em março deste ano celebraram-se os 20 anos da Resolução CFP 01/1999 – normativa, produto de grupos de trabalho e discussão “com toda a categoria dos psicólogos e parte de decisão da Organização Mundial da Saúde que afasta a homossexualidade do rol de patologias”, segundo destaca o próprio CFP. O instrumento normativo é fundamentado no princípio de que a homossexualidade não constitui doença, distúrbio ou perversão e tem fundamentado, entre outros atos, a autorização da adoção de crianças por casais homoparentais pela Justiça brasileira. Na esteira da Resolução CFP 01/99, outros Conselhos e organizações profissionais geraram instrumentos similares. A Resolução n° 489/2006 do Conselho Federal de Serviço Social veda “condutas discriminatórias ou preconceituosas, por orientação e expressão sexual por pessoas do mesmo sexo, no exercício profissional do assistente social”.
Um grupo de psicólogos(as) que defende pautas morais conservadoras na política nacional têm apelado às decisões do Sistema Conselhos de Psicologia, questionando a validade da Resolução 01/99 na Justiça levando esse debate ao legislativo, com certa ressonância pública. Argumentam, dentre outros pontos, que a Resolução constituiria uma “mordaça” às suas convicções. De acordo com elas, além de “ferir a liberdade de expressão” dos psicólogos, “proíbe o acolhimento dos que estão em sofrimento com a atração por pessoas do mesmo sexo”. Como coloca o sociólogo Joanildo Burity, o ativismo em defesa da chamada “cura gay” não diz apenas acerca do direito desse grupo de psicólogos, mas integra uma reação conservadora mais ampla às conquistas e visibilidade pública de uma diversidade de movimentos sociais. Apesar dessa reação, bem como a defesa da “cura gay” no Brasil, ser comumente associada ao evangelismo pentecostal, esta disputa não opõe simplesmente ciência e religião, ou atores religiosos contra o Estado laico, mas envolve atores capazes de se localizar estrategicamente de um lado ou de outro dessas dicotomias.
Não obstante, como destacou a jurista Maria Berenice Dias, a decisão da Ministra sustenta a autoridade exclusiva do Conselho para regular a atuação profissional dessa classe. A Resolução 01/99 tem fundamento no caráter laico da psicologia, tema debatido na esfera da regulação profissional dos psicólogos no Brasil. Para o Conselho, enquanto ciência, suas práticas e teorias não devem ser subordinadas a convicções religiosas. O Posicionamento do Sistema Conselhos de Psicologia para a questão da Psicologia, Religião e Espiritualidade, aprovado em maio de 2013, consagra o “direito à liberdade de consciência e de crença”, em consonância com a Constituição de 1988.
Em 1973, a homossexualidade foi retirada do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM) da Associação Psiquiátrica Americana (APA). Em 1990, na 43ª Assembleia Geral da Organização Mundial de Saúde (OMS) se decidiu pela exclusão da homossexualidade da lista de doenças ou transtornos mentais dessa organização. Desde 1991 a ONG Anistia Internacional promove a luta contra a discriminação contra a homossexualidade, considerada uma violação aos direitos humanos. Dois anos mais tarde, em 1993, a homossexualidade foi suprimida do Código Internacional de Doenças (CID-10). Mais recentemente, em 2018, a OMS deixou de considerar a transexualidade como um transtorno mental. No mesmo ano, o CFP emitiu a Resolução 01/18, que estabelece normas de atuação para os(as) psicólogos(as) com relação às pessoas transexuais e travestis. Em menos de um semestre a resolução CFP 01/18 já foi contestada através de duas ações movidas pelo Ministério Público Federal de Goiás, que questionam sua constitucionalidade e sua legalidade. Ambas ações foram extintas sem julgamento do seu mérito.
A atual decisão do STF sobre a validade da Resolução CFP 01/99 tem caráter preliminar. A suspensão determinada pela ministra Cármen Lúcia é válida até a questão de fundo sobre a “cura gay” ser discutida pelo plenário do STF, ainda sem data marcada.