A despeito da oposição de grupos religiosos, a presidente Dilma Rousseff sancionou nesta quinta-feira (1/8) a lei que obriga hospitais que fazem parte do Sistema Único de Saúde (SUS) a prestar atendimento emergencial a vítimas de violência sexual. A proposta aprovada pelo Congresso Nacional lista uma série de serviços que deverão ser oferecidos pela rede pública de saúde, a fim de assegurar protocolos e normas já vigentes. Dentre elas estão o amparo médico, psicológico e social, a facilitação do registro da ocorrência e o encaminhamento ao órgão de medicina legal e às autoridades especializadas com informações que podem ser úteis à identificação do agressor e à comprovação da violência sexual.
Dilma manteve dois incisos que provocaram as reações refratárias dos religiosos, em especial a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dentre eles o que fala em profilaxia da gravidez, que envolve a adoção da pílula do dia seguinte para evitar uma possível gravidez da vítima. Para a Igreja, o método anticoncepcional já seria considerado abortivo.
Outro artigo combatido pelos grupos religiosos é o que estabelece o “fornecimento de informações às vítimas de estupro dos seus direitos legais”, como a possibilidade, já prevista em lei, da realização do aborto. A CNBB alega que esse tipo de informação prestada pelos hospitais poderia induzir à escolha do aborto e ampliar os permissivos legais.
Em nota, a ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), Eleonora Menicucci, afirmou que a sanção da nova lei pela presidente “representa, antes de tudo, respeito ao Congresso Nacional que o aprovou por unanimidade nas duas casas. Significa, também, respeito às mulheres que sofrem violência sexual, com a adoção de ações que amenizam seu sofrimento, com o atendimento imediato e multidisciplinar para o controle e tratamento dos impactos físicos e emocionais causados pelo estupro. Vale lembrar que este é um dos crimes que apresentam grandes taxas de subnotificação. A não identificação desses casos pode comprometer o tratamento necessário para a saúde das vítimas de violência sexual”.
Segundo a ministra, a lei complementar ora sancionada agiliza e dá maior sustentação jurídica às iniciativas e ações do Governo Federal nesse sentido, como o Decreto 7958/2013 (humanização e adequação dos serviços de saúde e dos IML, incluindo a guarda da prova), a Lei 10778/2003 (notificação compulsória dos casos de violência contra a mulher) e a Lei 10.886/4 (tipificação da violência doméstica no Código Penal Brasileiro). Fortalece, também, as normas técnicas do Ministério da Saúde que orientam a atenção e atendimento no Sistema Único da Saúde dos casos de violência sexual contra mulheres.
Para a feminista Schuma Schumaher, coordenadora da Rede de Desenvolvimento Humanos (Redeh), o argumento de que a aprovação da lei possa ampliar os casos de abortamento legal não procede.
“A nova lei não cria qualquer novo permissivo legal para o aborto. Busca garantir o direito de mulheres e meninas vítimas de violência sexual ao acesso a informações e a medicamentos de prevenção à gravidez e a doenças sexualmente transmissíveis. A nova lei permitirá enfrentar melhor os obstáculos judiciais que os segmentos que advogam contra os direitos, a saúde e a vida das mulheres e adolescentes vêm impondo às vítimas de violência sexual quando estas decidem realizar o aborto a que têm direito. Em caso de gravidez em conseqüência de violência sexual, a lei garante à mulher o direito de receber informações e ter acesso a uma atenção humanizada e sigilosa ao aborto legal, caso seja esta a sua decisão, conforme a lei vigente e normas técnicas do Ministério da Saúde”, afirma.
A violência sexual contra a mulher configura um quadro grave no Brasil, e os dados crescem dia-a-dia. Estima-se que, a cada 12 segundos, uma mulher é estuprada no Brasil. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública indicam que em cinco anos os registros de estupro no Brasil aumentaram em 168%: as ocorrências subiram de 15.351 em 2005 para 41.294 em 2010. Segundo o Ministério da Saúde, de 2009 a 2012, os estupros notificados cresceram 157%; e somente entre janeiro e junho de 2012, ao menos 5.312 pessoas sofreram algum tipo de violência sexual.
“Os dados demonstram, portanto, que a violência sexual no Brasil é uma questão de saúde pública. Os danos à saúde física e mental de quem sofre essa violência são imensuráveis e requerem uma ação efetiva e comprometida do Estado na atenção e no cuidado das vítimas e na repressão desse tipo de crime”, complementou a ministra da SPM em nota.