Na semana passada, no dia da chegada do papa Bento XVI ao Brasil, o novo secretário-geral da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), dom Dimas Lara Barbosa, criticou o comportamento dos jovens brasileiros, especialmente o namoro sem compromisso, conhecido como “ficar”. O bispo disse que o sentimento do “descartável”, incentivado muitas vezes pela educação sexual e típico de “garotas de programa”, começa a se manifestar nos jovens. “Hoje está com um, amanhã com outro. Existem garotas que apostam quem vai ficar com o maior número de rapazes em uma festa. Isso tem gerado um processo que leva a uma baixa auto-estima”, disse ele ao jornal Folha de São Paulo (edição 9/05/2007). As declarações causaram fortes reações nos jovens, inclusive em muitos dos que se reuniram com o papa no estádio do Pacaembu, na quinta-feira, 10 de maio. Muitos deles reagiram dizendo que, assim, ao invés de serem atraídos para a fé católica, acabam se afastando.
As afirmações de dom Dimas também merecem análises de pesquisadores que lidam, em seus estudos, com o tema da saúde e sexualidade de adolescentes. “Quando o bispo afirma que o ‘ficar’ é uma promiscuidade, está subjacente ao seu posicionamento o sacramento do matrimônio e a concepção de fidelidade. Para nós, cientistas sociais, o ‘ficar’ compõe uma forma de sociabilidade juvenil contemporânea, que pode ou não se desdobrar em um vínculo afetivo. Nesta concepção, devemos estar atentos para a forma com que os jovens estão sendo preparados para viverem esta etapa da vida”, observa a pesquisadora do CLAM e doutoranda do Instituto de Medicina Social Cristiane Cabral.
O tema da sexualidade juvenil é amplamente debatido no livro “O aprendizado da sexualidade: reprodução e trajetórias sociais de jovens brasileiros” (Ed. Garamond/Ed. Fiocruz), que traz os resultados de um inquérito domiciliar realizado em três capitais brasileiras (Rio de Janeiro, Porto Alegre e Salvador) com jovens de 18 a 24 anos, de ambos os sexos (pesquisa GRAVAD). O estudo buscou compreender os comportamentos sexuais e reprodutivos dos entrevistados e revela que o ‘ficar’ é mais freqüente entre os homens, não implicando necessariamente uma relação sexual. “De acordo com a investigação, apenas 11% das mulheres e 19% dos homens que ‘ficaram’ tiveram relações sexuais neste encontro”, destaca Cristiane Cabral, integrante da equipe GRAVAD.
A pesquisadora Stella Taquette, coordenadora da Atenção Primária do Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente (NESA) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), concorda: “Este é um comportamento absolutamente normal da adolescência, que significa uma busca do conhecimento do corpo e um ensaio das primeiras relações afetivas. Apesar de ser um fenômeno contemporâneo mais intenso, isto sempre aconteceu em todas as épocas recentes da humanidade. Inclusive os adultos também ‘ficam’. O caráter passageiro desse tipo de relação é mais um aprendizado, uma experiência de um ser que está tentando definir sua identidade sexual”.
Para Stella, que acaba de organizar o recém-lançado livro “Violência contra a mulher adolescente/jovem”(Ed. Uerj), o problema está na forma como a Igreja Católica vê a sexualidade humana. “A Igreja considera a sexualidade unicamente para fins procriativos, não aceitando nem mesmo métodos contraceptivos, o que não é a visão que temos. A sexualidade, no nosso ponto de vista, é inerente ao ser humano, está ligada a questões relacionadas ao prazer e também à reprodução. Então, o ‘ficar’ é o exercício do prazer sexual, mesmo sem haver uma atividade sexual genital”.
Segundo Cristiane Cabral, diferentemente do que dom Dimas afirma, a educação sexual não estimula o exercício da sexualidade, muito menos o sentimento do “descartável”, mas oferece aos jovens elementos que os tornam capazes de melhor gerir suas vidas. “A sexualidade juvenil é um fato, e é a preparação dos jovens para a sexualidade que permitirá seu exercício de forma mais autônoma e menos vulnerável aos riscos que estão hoje colocados. Somente uma Igreja que esteja no mundo (e não uma Igreja que está sobre o mundo) é capaz de compreender e de acolher seus fiéis”, conclui.