O Projeto Interdisciplinar em Sexualidade, Saúde Mental e AIDS (PRISSMA) é um estudo multidisciplinar, realizado pelo Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPUB/UFRJ), em parceria com a ABIA e com Universidade de Columbia (EUA). Entre 2002 e 2006, este grupo criou uma proposta de intervenção para prevenção da infecção pelo HIV entre usuários de serviços de saúde mental, chamada de “HIV, tô de olho em você”. Como conclusão desse estudo feito pelo PRISSMA, o grupo convocou pesquisadores e profissionais de saúde mental do Rio de Janeiro para uma primeira conferência de difusão do projeto. Participaram palestrantes da equipe internacional do projeto, integrada por pesquisadores e clínicos das instituições parceiras, assim como de outros centros norte-americanos e brasileiros. Foram abordados aspectos da prevenção da infecção pelo HIV entre usuários de serviços de saúde mental, sob distintas perspectivas: epidemiológica, clínica, ética e de formulação de políticas públicas.
Nas apresentações relativas à epidemiologia do HIV e saúde mental, a cargo de Karen McKinnon (Universidade de Columbia, EUA) e de Mark Drew Guimarães (UFMG), destacou-se que se trata de uma articulação bastante nova nas pesquisas sobre o risco de infecção pelo HIV em ambos países. Entretanto, tanto a experiência da assistência em saúde mental quanto a vigilância epidemiológica indicam a necessidade urgente de abordar a problemática. Um estudo de soroprevalência, realizado em uma unidade de emergência de um hospital psiquiátrico de Minas Gerais, documentou taxas cinco vezes maiores do que aquelas registradas na população em geral. Projetos em andamento em ambos países visam mapear as interações entre o que os epidemiólogos chamam de “fatores de risco” de transmissão do HIV entre usuários de serviços de saúde mental, particularmente entre os portadores de “transtornos mentais graves”. Entre esses fatores, as exposições destacaram os impedimentos cognitivos associados a determinadas patologias, a alta incidência de abuso de álcool e drogas e a situação de carência social freqüente entre pessoas em tratamento psiquiátrico. A combinação desses fatores dificultaria o exercício sistemático do sexo protegido.
A complexa situação da pessoa designada com o estigma da “doença mental” foi abordada pelos próprios usuários dos serviços, através da atuação do Grupo Pirei na Cenna (CEAP/HPJ – CTO-Rio). O grupo, utilizando a técnica do Teatro do Oprimido, colocou a problemática da prevenção da transmissão do HIV, da qualidade de vida e adesão ao tratamento antirretroviral entre pacientes psiquiátricos. Foi explorada a forte tensão a que é submetido o exercício autônomo da sexualidade deste sujeito submetido a uma dupla tutela, médica e familiar, mostrando o despreparo de ambas instituições para encarar o problema. A encenação envolveu o apelo ao público para imaginar modos de reverter as situações dramatizadas. Tratou-se de uma experiência mobilizadora, suscitando reflexões que retornaram ao longo do seminário.
No relato das práticas de intervenção, as atividades do HIV, tô de olho em você, a cargo de pesquisadores clínicos das Universidades de Columbia, de Wisconsin e da UFRJ, relataram resultados iniciais dos trabalhos, pioneiros em ambos países. Trata-se de projetos que visam desenvolver protocolos de intervenção possíveis de serem reproduzidos por meio de adaptação a diferentes contextos. Nesse sentido, Milton Wainberg, pesquisador principal do PRISSMA, enfatizou o duplo objetivo de contemplar o que ele chamou de adaptação à cultura local e de fidelidade a um modelo de intervenção, que na prática gera diversos confrontos e a necessidade de determinados compromissos. Dois exemplos citados por Wainberg aludiram a diferentes níveis da intervenção onde opera esse tipo de compromisso: do ponto de vista disciplinar, a equipe do PRISSMA logrou uma articulação inédita entre profissionais de formações diversas e, muitas vezes, com enfoques normalmente considerados inconciliáveis. Em termos do alcance do projeto, tanto para os profissionais de saúde mental quanto para os atores engajados na luta pela prevenção do HIV-Aids, a inclusão do componente da “responsabilidade social” revelava-se crucial”. O participante das oficinas do projeto deveria ser capacitado para disseminar os resultados do mesmo no seu entorno comunitário.
A trajetória dos membros brasileiros da equipe do PRISSMA demonstra que a reflexão e a intervenção em sexualidade e saúde mental não se constitui em uma novidade para os profissionais locais. As apresentações de Claudio Gruber Mann, de Cláudia Simone de Oliveira e de Suely Broxado colocaram o projeto no contexto de uma série de iniciativas, como o Projeto Saúde Mental e Aids, implementado desde 2001 em serviços psiquiátricos, particularmente em Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) de todo o país, em parceria com o Instituto Franco Basaglia, o Hospital Psiquiátrico de Jurujuba – Niterói e o Grupo Pela Vidda – Niterói, com o apoio técnico e financeiro do Programa Nacional de DST e Aids.
Com foco na regulação dos direitos humanos, direitos civis e direitos sexuais, Jane Russo, professora do IMS/UERJ e coordenadora do CLAM, colocou a questão da autonomia do usuário da saúde mental nas decisões referentes a sua vida sexual. Esta emerge historicamente na confluência do movimento pela cidadania do paciente psiquiátrico e do movimento pelos direitos sexuais. Russo referiu-se ao dilema entre cidadania e clínica que implica imaginar um exercício livre e responsável da sexualidade da pessoa portadora de “transtorno mental grave”, um sujeito tutelado ou potencialmente tutelável. A mesma tensão, resultante do encontro entre saúde mental e aids, foi abordada por Claudio Gruber Mann. O pesquisador assinalou que a discussão das DST/Aids exige que se considere a sexualidade de um ponto de vista não normativo, contrário ao estigma e ao preconceito. Como conclusão, citou o depoimento de um usuário durante a pesquisa etnográfica do PRISSMA, retratando a situação que se pretende reverter: “Enquanto doente mental eu não posso escolher, eu só posso ser escolhido.”