Em março de 2005, as pesquisas com células-tronco embrionárias humanas foram aprovadas no Brasil, no âmbito da Lei de Biossegurança (Lei nº 11.105/05). Em maio do mesmo ano, no entanto, o então procurador-geral da República, o católico Cláudio Fonteles, entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a utilização de células-tronco de embriões humanos em pesquisas e terapias. Em sua argumentação, Fonteles afirma que a vida se dá desde a fecundação e que, portanto, essas pesquisas representariam uma violação do direito à vida, previsto na Constituição. Seis dos nove cientistas a que ele recorre para defesa de sua tese são autores de uma obra coletiva patrocinada pela Pastoral Família, da Igreja Católica.
O pedido de Fonteles foi acatado no ano passado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Britto, que foi relator do caso e que convocou, na ocasião, uma audiência pública e convidou pesquisadores que pudessem expor outras posições. Na audiência, realizada em Brasília na última sexta-feira (20/4), 22 cientistas apresentaram posições favoráveis e contrárias ao uso das células-tronco.
Favorável à Lei de Biossegurança, a antropóloga Débora Diniz, da Universidade de Brasília (UnB) afirmou que a ADI parte de uma premissa falsa, de que a fecundação é o início da vida. Débora considera que a resposta mais razoável para a pergunta ‘quando tem início a vida’, que guiou a audiência, acena para uma “evidência de regressão infinita sobre a origem da vida”. E que para se dar uma resposta científica, seria necessária “uma demarcação entre ciência e pseudociência”.
O objetivo da audiência era fornecer subsídios científicos para que os 11 ministros que compõem o STF pudessem julgar a ADI. No entanto, apenas quatro estiveram presentes: Ayres Britto, a presidente do Supremo, Ellen Gracie, o vice, Gilmar Mendes, e o ministro Joaquim Barbosa . “A audiência foi organizada porque, do ponto de vista técnico, não existe na Constituição brasileira um conceito claro de quando começa a vida. Por isso, a busca por ouvir a comunidade científica, para embasar os ministros do STF a ajudar a formular um conceito operacional de vida, do início da vida, da própria dignidade da pessoa humana para tornar a Constituição eficaz”, afirmou o Ayres Britto.
Débora Diniz disse acreditar que “o deslocamento do debate para a questão da reprodução humana impede que se avalie com razoabilidade a ética da pesquisa com embriões inviáveis e congelados”. Para ela, “o desvio da atenção – pelos atores que propuseram a Ação Direta de Inconstitucionalidade – parece ter por finalidade exercer uma pressão em torno de outras questões, como as relativas às políticas públicas dos direitos reprodutivos e do aborto”.
Ela ressaltou ainda que a lei questionada na ADI determina que a pesquisa com células-tronco será preferencialmente conduzida com embriões inviáveis, ou seja, “embriões para os quais não há como se imputar a tese da potencialidade de vida”.
Todos os cientistas e médicos que defenderam a proibição do uso de células- tronco embrionárias basearam seus argumentos em torno da proteção à vida humana, desde a fecundação do óvulo pelo espermatozóide, utilizando frases de cunho emotivo do tipo “um montinho de células já é um menininho ou uma menininha” e “cada embrião já tem suas características próprias”. Os representantes da posição religiosa apresentaram também imagens de fetos.
“O argumento central era – apesar de não explicitado – a idéia da sacralidade da vida. O que estava em jogo era o julgamento moral em torno do embrião”, ressalta a médica Rachel Aisengart Menezes (CLAM/IMS/UERJ), presente à reunião.
Já os favoráveis ao uso de células tronco embrionárias enfatizaram as mudanças históricas, nos distintos contextos sócio-culturais, referentes à definição dos limites da vida.