No seminário Família Contemporânea, promovido pelo Grupo de Estudos sobre a Família Contemporânea (GREFAC) em dezembro, na UERJ, as sociólogas do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) Ana Lúcia Sabóia, Lilibeth Maria Ferreira e Rosa Maria Ribeiro apresentaram os últimos resultados relativos às questões familiares dos Indicadores Sociais e da Pesquisa de Orçamentos Familiares/POF. A base de dados utilizada foi a Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios, a PNAD – uma amostra de quase 150 mil domicílios. “Um panorama das estruturas, situações e condições da família brasileira nos permite entender as transformações dos padrões familiares”, avaliou a pesquisadora Clarice Ehlers Peixoto, professora do Programa Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPCIS/UERJ) e uma das coordenadoras do GREFAC, ao lado de Maria Luiza Heilborn (CLAM/IMS/UERJ) e Myriam Lins de Barros (ESS/UFRJ).
A apresentação privilegiou alguns dos temas que são abordados na pesquisa, como educação, mulher, domicílio, família e cor/raça. “A taxa de analfabetismo continua muito alta, em cerca de 15 milhões. Nos centros urbanos diminuiu bastante, mas a rural está na base de 25%. De acordo com a UNESCO, o Brasil está no grupo de países alarmantes – os que têm mais de 10 milhões de pessoas analfabetas em números absolutos – que só é superado pelo grupo de países que tem 50%, ou mais, da população de analfabetos.O analfabetismo está mais presente nas classes mais baixas, entre pretos e pardos e pessoas idosas”, relatou Ana Lúcia Sabóia.
Segundo Ana Lúcia, o indicador familiar é importante porque mostra a relação de moradores e o grau de parentesco entre eles, revelando o padrão de organização da família brasileira. “No período de 10 anos, a transformação mais significativa foi o aumento do número de lares unipessoais, o que se traduz na não coabitação de parentes idosos com as famílias nucleares e o aumento da expectativa de vida. Ou seja, as mulheres vivem cada vez mais, ficam viúvas e se tornam uma unidade unipessoal. Há um aumento também de casais sem filhos e de mulheres sem cônjuges com filhos. Outros arranjos familiares e coabitação sem parentesco ainda têm índices muito baixos no Brasil”, afirmou a pesquisadora.
De acordo com os dados da pesquisa do IBGE apresentados no Seminário, os homens ainda têm uma maior taxa de ocupação no mercado de trabalho. Entre as unidades domésticas com os dois cônjuges presentes, apenas 38% dos casais têm os dois cônjuges ocupados.
“O objetivo maior de nossa pesquisa sempre foi criar subsídios para entender a cesta básica dos domicílios brasileiros, para compor o índice de preço ao consumidor. A diferença principal da POF e da PNAD é que a primeira trabalha com o conceito de unidade de consumo, enquanto a segunda com a unidade de referência, pessoa e família. A distinção que pode ser percebida entre os dois conceitos é uma eventual diferença entre a aquisição e a preparação dos alimentos dentro do mesmo domicílio, existindo assim duas unidades de consumo dentro do mesmo “lar”. Porém, os resultados podem ser apresentados como números de famílias porque existem pouquíssimos domicílios com mais de uma unidade de consumo quando nele se estabelece um arranjo familiar, tanto que seus resultados não se mostraram tão distantes dos resultados da PNAD”, explicou Lilibeth Maria Ferreira.
Para ela, o caráter inovador da pesquisa é descobrir se o perfil de despesas da família muda conforme a sua composição. “O estudo introduz para o IBGE um conceito importantíssimo, principalmente para os estudos de pobreza, que é o de aquisição não monetária. Ou seja, alterou-se o conceito de despesa para o de aquisição e, no caso de famílias sem rendimentos, passou a ser possível mapear como estas adquirem produtos. É possível saber de onde veio essa aquisição, se de produção própria, de troca ou de doação”, disse Lilibeth.
Os resultados da POF revelam que as famílias chefiadas por mulheres vivem com mais dificuldades. As maiores despesas são com moradia, alimentação e transporte, o que significa que as despesas com educação e saúde são mínimas. O total de destinação da família brasileira para educação não chega a 4% e para a saúde 3%. Nas áreas urbanas, a destinação total para assistência à saúde é 7,1%, alimentação 36%, habitação19% e transporte 18%. “Com a inclusão de um filho, cresce um pouco o índice para alimentação e aumenta um pouco mais o vestuário, transporte e educação. O que acontece é que as pessoas privilegiam alguns itens de despesa quando têm um filho. No caso de um domicílio unipessoal, aumenta o índice de diversão, mas os outros índices de despesa permanecem quase inalterados, com exceção do tipo de alimentação”, assinalou a socióloga.
A apresentação de Rosa Maria Ribeiro versou sobre os conceitos utilizados pelas pesquisas do IBGE à luz das recomendações da Organização das Nações Unidas (ONU) a respeito do tema e de procedimentos adotados por alguns países, como os Estados Unidos, a França, a Espanha e o sistema europeu.
“A revisão conceitual se debruça, até o momento, apenas sobre os conceitos atuais, que são a definição da unidade doméstica da família; as nomenclaturas chefe da família, pessoa de referência e responsável (pessoa a qual todos os demais membros da família estão ligados); as categorias utilizadas para identificar os membros da família; e a questão do informante, ou seja, quem responde ao questionário, que é uma questão que perpassa todas as outras”, analisou Rosa Maria.
Unidade doméstica e família
Segundo a pesquisadora, o IBGE qualifica como família a pessoa ou o conjunto de pessoas que vivem no mesmo domicílio, independentemente de existir parentesco entre essas pessoas, por adoção ou consangüinidade. “É um conceito amplo que não se refere exatamente à família tal como é entendida na sociologia, na antropologia e mesmo no senso comum. Essa conceituação do IBGE responde às recomendações da ONU, que indica três instâncias de aproximação dessas pessoas dentro do mesmo domicílio: o domicílio (local físico), a unidade doméstica – que envolve todas as pessoas que residem no mesmo domicílio – e o parentesco. Nesse sentido, o IBGE ainda foge um pouco dessas recomendações quando oferece outras duas alternativas de definição; uma no âmbito da unidade doméstica e outra se remete apenas ao fato de dividir a mesma residência. Na verdade, o que ocorre é uma aproximação e um afastamento das recomendações da ONU concomitantemente. O afastamento seria mais ligado à primeira alternativa apresentada. A aproximação se dá através da segunda”, explicou.
A socióloga assinalou que uma problemática que está sendo discutida, ainda embrionariamente, é o uso de dois conceitos distintos para a aplicação das pesquisas em domicílios, um da PNAD e o outro da POF. “O que se propõe é a utilização de um conceito único, que possibilitaria um melhor aproveitamento no cruzamento dessas duas pesquisas, bem como de outras realizadas pelo IBGE”, observou.
Rosa Maria lembrou que, assim como aconteceu com o conceito de família, o conceito de chefe, ao longo do tempo, perdeu sua precisão explicativa. “Para o IBGE todas as três nomenclaturas – chefe da família, pessoa de referência e responsável – correspondem à pessoa responsável pelo domicílio. O problema é que este conceito permite um duplo viés, o do informante (perguntado) e o de quem interpreta o dado. Há, então, a necessidade de que se tenha um conceito pré-definido, que depende de uma pesquisa preliminar para a criação de uma nomenclatura mais corrente”, disse ela.
A pesquisadora ressaltou o crescimento no número de famílias onde o responsável do casal é a mulher, principalmente nas cidades de Fortaleza, Belém e Salvador. “E se não existe um consenso de como se definir o porquê da escolha dessas mulheres como pessoa de referência da unidade doméstica e do casal, não há como interpretar esse dado. Ao cruzar os dados, percebemos características que podem explicar esta definição. A maior escolaridade do cônjuge mulher foi a principal, a segunda foi estar ocupada no mercado de trabalho. No caso dos homens, o maior rendimento e a maior idade são as características mais citadas”, analisou.
Ainda de acordo com a pesquisa, há um número maior de coabitação de famílias com seus parentes mais velhos por causa de pensões e aposentadorias, o que explica um número significativo de idosos identificados como pessoa responsável pelo domicílio.