CLAM – Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos

SAÚDE TRANS

A revista Sexualidad, Salud y Sociedad lança dossiê temático sobre acesso ao direito à saúde de pessoas trans e travestis no Brasil e na América Latina.

Como parte do número 38 (2022) da Sexualidad, Salud y Sociedad – Revista Latino-Americana, a publicação periódica do CLAM, foi lançado o dossiê “Estratégias e condições de acesso ao direito à saúde de pessoas trans e travestis no Brasil e na América Latina”.

A edição temática incorpora uma noção de saúde ligada não somente à ausência de enfermidades, mas também ao acesso público, universal e integral a práticas de cuidados, recursos, serviços de qualidade e direitos que garantam o bem estar físico, mental e social das pessoas.

É amplamente sabido que o direito à saúde não é efetivado, principalmente no caso das pessoas trans e travestis, e que o acesso ao cuidado se dá, por via de regra, em meio a discriminação, exclusão e/ou tutela.

A população trans tem suas necessidades desconsideradas em parte por demandarem cuidados que não são identificados como “questões de saúde” e sim como “estéticas”, além de a afirmação de gênero acabar por vezes dificultando ou ainda impossibilitando o acesso aos serviços de saúde, em especial os de caráter público.

O dossiê foi organizado pelos professores Aureliano Lopes (UFRRJ), Jimena de Garay Hernández (UERJ), Anna Paula Uziel (UERJ), Sérgio Carrara (UERJ) e Guilherme Almeida (UFRJ), a partir do encerramento da pesquisa TransUerj.

Assim como aquela pesquisa, esta edição “buscou incorporar a perspectiva das pessoas trans e travestis, seja como autores, como participantes das equipes de pesquisa ou, finalmente, como membros de comitê que discutiu os instrumentos utilizados e os rumos da reflexão”, destacou Sérgio Carrara, editor responsável de Sexualidad, Salud y Sociedad.

O dossiê está composto por uma apresentação, seis artigos e uma entrevista. A partir de pesquisas sobre o tema, estes trabalhos objetivam trazer uma reflexão sobre como vem se dando o cuidado em saúde da população trans em relação aos serviços públicos de saúde.

O artigo “Saúde de travestis e pessoas trans no Rio de Janeiro e Região Metropolitana: estratégias e condições de acesso”, de Jimena Hernandez De Garay, Aureliano Lopes da Silva Junior, Sérgio Carrara, Ana Camilla de Oliveira Baldanzi e Anna Paula Uziel percorre pelo caminho da saúde da população trans da região metropolitana do Rio de Janeiro, analisando tanto as condições de acesso aos serviços de saúde, bem como as estratégias que muitas vezes esta população tem que ceder para efetivar seu direito à saúde junto à rede de saúde como um todo.

No artigo “Ambulatório T da Atenção Primária à Saúde de Porto Alegre: política pública de inclusão e garantia de direito à saúde de pessoas trans” é tratada a construção da saúde integral da população trans. Debruçando-se sobre a avaliação do Ambulatório Trans (Ambulatório T) de Porto Alegre, Guilherme Lamperti Thomazi, Simone Ávila e Luciana Barcellos Teixeira apresentam resultados que apontam para o reconhecimento da necessidade de acolhimento e efetivação do cuidado na Atenção Primária à Saúde (APS), a partir da avaliação de seus/as usuários/as.

Escrito na perspectiva de uma profissional de saúde que tanto reflete como produz o próprio campo da saúde trans, o artigo de Marcia Cristina Brasil Santos, “Protoformas do Processo Transexualizador no Brasil: apontamentos sobre a tortuosa institucionalização da assistência à saúde de pessoas Trans no SUS entre 1997 e 2008” mostra os percursos impositivos do saber e poder biomédicos frente as demandas do movimento social de pessoas trans e de interpelações acadêmicas e de outros atores na institucionalização desta assistência em saúde.

O artigo “Conhecimentos, percepções e itinerários terapêuticos de travestis e mulheres trans no cuidado a infecções sexualmente transmissíveis em Salvador, Brasil”, de Thais Rossi, Sandra Brasil, Laio Magno, Maria Amélia Veras, Thiago Pinheiro, Marcos Pereira, José Luiz Gonzales Junior, Paula Carvalho e Ines Dourado, acompanha um grupo de travestis e mulheres transexuais majoritariamente pretas e residentes em regiões periféricas e/ou empobrecidas do centro de Salvador em seu cuidado com ISTs.

Em “Cisnormatividad, un compromiso dañino en el diseño de las investigaciones en salud humana” Blas Radi, Alahí Bianchini e Ignacio Mastroleo conceituam a noção de cisgeneridade e seus efeitos nos campos da pesquisa clínica e da atenção em serviços de saúde. Detendo-se, por exemplo, em questões relacionadas aos direitos reprodutivos, este ensaio propõe mudanças de paradigma visando uma transformação social na forma como o campo da saúde generifica e sexualiza os corpos.

Os efeitos da lógica social cisgênera na gestão dos corpos e da própria vida também é tema do artigo “Corpo da criança, corpo do adulto: um olhar sobre as revisões diagnósticas que compõem fronteiras entre pessoas trans”, de Sofia Ricardo, Paula Machado e Rafaela Vasconcelos. No artigo é mostrado o surgimento da categoria “criança trans” no campo da saúde e o deslocamento da transexualidade “na” infância para a noção de transexualidade “da” infância.

O dossiê é encerrado por uma a entrevista com Letícia Lanz, conduzida pelo pesquisador Aureliano Lopes da Silva Júnior. Lanz, psicanalista e teórica dos Estudos Transgêneros, defende outras possibilidades de vida fora do binarismo de gênero. Além disto, reflete sobre os efeitos discriminatórios promovidos pelo binarismo de gênero sob os corpos e identidades transgêneras em campos como a psicanálise, os saberes psi, a biomedicina, a política e o acesso à saúde.

Acesse aqui a íntegra do dossiê.