CLAM – Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos

Ecos do matrimônio igualitário

por Manuel Rodríguez

com Bruna Mariano (Brasil)

Christian Rea Tizcareño (México)

Franklin Gil Hernández (Colômbia)

Pilar Pezoa (Chile)

Rosa Cisneros (Peru)

Tradução e versão para o português:

Washington Castilhos


No dia 15 de julho foi aprovada na Argentina a lei nacional que permite o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo. O acontecimento ecoou nos países da região, desde a Colômbia, onde as uniões homossexuais são protegidas por decisões da Corte Constitucional, até o Chile, onde ainda se discriminam as chamadas uniões de fato, mesmo as heterossexuais. O debate no Parlamento e na sociedade argentina e seu conseqüente êxito deram novo impulso a demandas que os movimentos LGBT latino-americanos têm pleiteado.


Antes ainda que a agitação gerada pela reforma no Código Civil argentino – que substituiu a expressão “homem e mulher” por “contratantes” na definição de matrimônio – tivesse se acalmado, na Colômbia, no Chile e no Peru foram apresentados projetos de lei que garantem direitos às uniões de pessoas do mesmo sexo. Este “boom” legislativo, no qual ressoam os ecos do matrimônio igualitário, é produto das lutas dos movimentos LGBT, que em cada país têm assumido lógicas distintas. Nem todos os países têm buscado o reconhecimento dos casais através do matrimônio ou têm exigido o direito destes à adoção; e nem todas as vitórias alcançadas têm se dado pela via legislativa.

Em alguns países tem-se recorrido a figuras como “união civil” ou “união marital de fato” para buscar o reconhecimento legal e em outros foi necessário postergar o tema da adoção. No Brasil e na Colômbia, por exemplo, ganhos como o direito à pensão por falecimento de um(a) dos(as) parceiros(as) e a proteção do patrimônio conjunto já haviam sido alcançados por via judicial, enquanto na Argentina e no Distrito Federal mexicano já é possível abrir uma brecha pela via legislativa. No Chile, onde ainda nem são reconhecidas as uniões de fato heterossexuais, muito menos as homossexuais, as iniciativas legislativas têm buscado garantir os direitos à saúde, herança, patrimônio e tributação tanto aos casais do mesmo sexo como de sexo distinto.

Fazemos aqui uma análise dos caminhos seguidos para se conseguir o reconhecimento de direitos igualitários no México, Colômbia, Chile, Peru e Brasil, os tipos de resistências encontradas e as estratégias usadas para driblar tais oposições.

México

Além da modificação do Código Civil argentino, a Cidade do México também introduziu mudanças em sua legislação para reconhecer o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo. No dia 21 de dezembro de 2009, a Assembléia Legislativa do Distrito Federal aprovou uma lei que legalizou o matrimônio entre casais do mesmo sexo na capital mexicana. A lei reformou alguns artigos do Código Civil, como o 146, que definia o matrimônio como a “união livre de um homem e de uma mulher”, e outros do Código de Procedimentos Civis relacionados à constituição do patrimônio familiar, à adoção de filhos e aos direitos e obrigações derivados da união marital.

Dois meses depois das reformas, o governo federal, através da Procuradoria Geral da República, interpôs em 27 de fevereiro uma ação de inconstitucionalidade na Suprema Corte de Justiça da Nação, argumentando que tais modificações se afastavam do dever constitucional de proteger a família e as crianças. Em julho passado, o ministro da Suprema Corte, Sergio Valls, deu a conhecer um projeto de resposta à demanda, ratificando a constitucionalidade das citadas modificações. Após revisar a demanda, a Suprema Corte votou a favor da constitucionalidade das reformas e assinalou que os outros 31 estados da federação mexicana estavam obrigados a reconhecer a validade jurídica dos matrimônios celebrados no Distrito Federal.

Colômbia

Até bem pouco tempo atrás, a Colômbia era um dos países da América Latina que contava com os maiores avanços no reconhecimento dos direitos de casais do mesmo sexo. Em fevereiro de 2007, a Corte Constitucional deste país estendeu a figura da “união marital de fato” aos casais homossexuais que tivessem dois ou mais anos de convivência. A esta decisão se seguiram outras sentenças que reconheceram direitos patrimoniais (Sentença C-075 de 2007), o direito à afiliação no sistema de saúde (Sentença C-811 de 2007) e o direito à pensão de sobrevivente (Sentença C-336 de 2008) destes casais.

Além dos direitos, tais ganhos trouxeram consigo deveres. Em 20 de agosto de 2008, a Corte Constitucional colombiana votou a favor de uma demanda contra a Lei 1181 de 2007 sobre inassistência alimentícia e assinalou que os casais do mesmo sexo podiam incorrer neste delito assim como qualquer casal heterossexual. A decisão mais recente a esse respeito se deu no dia 28 de janeiro de 2009 (Sentença C-029/09), com a homologação de direitos e deveres entre casais homossexuais e heterossexuais, da qual se excluíram os direitos ao matrimônio e à adoção.

Embora no caso colombiano os direitos assinalados acima tenham sido obtidos pela via judicial, tais decisões foram precedidas por uma estratégia legislativa, que incluiu a tramitação no Congresso de cinco projetos de lei. Os primeiros quatro projetos foram arquivados, por não chegarem a ser discutidos no segundo dos quatro debates que a Constituição daquele país exige. O último projeto, apresentado em agosto de 2005, que buscava dar acesso à seguridade social e aos direitos patrimoniais aos casais do mesmo sexo foi votado favoravelmente nos quatro debates requeridos constitucionalmente. No entanto, devido a uma circunstância incomum, a lei afundou no processo de conciliação do texto, situação que gerou múltiplos protestos do movimento social LGBT e de diversos setores democráticos.

Chile

No Chile, o debate legal sobre o tema iniciou-se em junho de 2003, quando a organização Movimiento de Liberación Homosexual (Movilh) apresentou ao Congresso daquele país o projeto de lei “Fomento de no discriminación y contrato de unión civil entre personas del mismo sexo”. Apesar de o projeto não se converter em lei, conseguiu-se colocar no debate público o tema dos vínculos de fato de casais homossexuais.

Transcorridos seis anos, o Movilh apresentou no Congresso outro projeto de lei: o “Pacto de Unión Civil (PUC)”, com o fim garantir aos membros de uniões homo e heterossexuais direitos relacionados à herança, à pensão no caso de viuvez ou de invalidez e à saúde, entre outros. Para a elaboração do PUC, o Movilh contou com o apoio de advogados da Universidade do Chile e da Universidade Diego Portales. Este projeto, que ainda tramita no Congresso, obteve um amplo respaldo social e político de parlamentares da Concertación de Partidos por la Democracia e de alguns membros do partido de Renovación Nacional (RN), entre eles o atual presidente do país, Sebastián Piñera.

Meses depois do início do trâmite do PUC, o Congresso chileno recebeu um projeto similar: o Acuerdo de Vida en Común (AVC). Esta iniciativa, apresentada no dia 18 de junho passado pelo senador de direita Andrés Allamand, também busca reconhecer direitos tanto a casais homo quanto a heterossexuais, a diferença é que não foi discutida nem pela sociedade civil nem pelo movimento LGTB chileno.

Peru

No Peru, durante as eleições presidenciais passadas, quatro candidatos ao Congresso propuseram a legalização dos matrimônios homossexuais durante suas campanhas. Embora nenhum deles tenha sido eleito, o fato é significativo pois pela primeira vez no país o reconhecimento de tal direito fez parte de agendas políticas.

Este ano o tema voltou a instalar-se no Congresso peruano, graças ao impulso que o congressista Carlos Bruce, do partido político Perú Posible, deu ao prejeto de lei de patrimônio compartido, que aponta que os casais do mesmo sexo ascedam a um regime patrimonial similar ao vigente para as uniões de fato heterossexuais. “Dessa maneira se evitaria situações injustas que acontecem quando um dos membros do casal falece e o que sobrevive é despojado pelos familiares diretos do morto”, afirma Bruce.

Brasil

No Brasil, em 1995 a então deputada federal Marta Suplicy, do Partido dos Trabalhadores (PT), apresentou no Congresso um projeto de lei com o fim de reconhecer a união civil entre pessoas do mesmo sexo. O projeto nunca foi votado, e em 2009 um “substitutivo” (PL 4.914) – fruto das imposições da chamada “bancada religiosa de deputados” e da Igreja Católica – passou a transitar na Câmara dos Deputados tendo como fim aplicar “à união estável de pessoas do mesmo sexo os dispositivos do Código Civil referentes à união estável entre homem e mulher, com exceção do artigo que trata sobre a conversão em matrimônio”.

Em 2008, o governador do estado do Rio de Janeiro, Sergio Cabral, interpôs uma Argüição de Descumprimento do Preceito Fundamental (ADPF) no Supremo Tribunal Federal (STF), visando o reconhecimento legal dos casais do mesmo sexo e sua inclusão no regime jurídico das uniões estáveis, previsto no Código Civil. Com isto, seriam outorgados aos casais homossexuais direitos até hoje exclusivos aos heterossexuais, como a pensão em caso de morte do cônjuge, pensão alimentícia e herança.

Atualmente, a união entre pessoas do mesmo sexo no Brasil é considerada juridicamente como uma sociedade e não como um matrimônio ou uma união estável. Apesar de existirem tribunais regionais que têm concedido direitos de herança, pensão e proteção de menores a casais do mesmo sexo, o artigo 226 da Constituição Federal brasileira somente reconhece como entidade familiar a união estável entre um homem e uma mulher.

Depois do matrimônio igualitário

Para o juiz federal Roger Raupp Rios (Tribunal Regional Federal – 4ª Região/Brasil), a aprovação na Argentina do matrimônio igualitário pode favorecer a aprovação da Argüição de Descumprimento do Preceito Fundamental (ADPF) por parte do Supremo Tribunal Federal (STF): “O fato de que a Argentina tenha aprovado uma lei, alterando seu Código Civil, para incluir o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo constitui, sem dúvida, uma alteração legislativa relevante, considerando a proximidade entre Brasil e Argentina. É difícil medir o impacto desta medida no debate que terá lugar no Supremo Tribunal Federal. Creio que este precedente legislativo poderá ser citado […] como uma amostra de uma tendência no Direito contemporâneo de acabar com barreiras discriminatórias em geral e, em particular, as relacionadas com a orientação sexual”, comenta.

Para Roberto Arriada Lorea, juiz do Tribunal de Justiça do estado do Rio Grande do Sul, o Legislativo brasileiro representa o que há de mais retrógrado sobre os direitos sexuais e reprodutivos, diferentemente do que ocorre em países como a Argentina e o México, onde o Legislativo é atuante e democrático.

“No Legislativo, a cidadania sexual encontra um obstáculo forte de alguns atores religiosos, então o Poder Judiciário vem suprindo esta lacuna e faz avançar por meio da jurisprudência”, diz o magistrado em entrevista à Agência Brasil, ressaltando que a união estável é um direito que está disponível a todas as pessoas independentemente de orientação sexual. “À luz dos princípios constitucionais, o casamento civil é um direito humano e não um privilégio heterossexual”.

Após a aprovação da nova lei argentina, o tema entrou nos debates travados pelos candidatos à eleição presidencial no Brasil, e alguns deles se manifestaram contrários à ideia do casamento entre homossexuais, alegando que o assunto envolveria uma “questão religiosa”. Sobre o tema, Daniel Sarmento, Procurador Regional da República e professor Adjunto de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), pontua, em artigo publicado no Jornal do Brasil: “Merece reflexão e crítica a confusão entre os papéis da religião e do Estado que se evidencia em algumas posições. É um sério desvio de perspectiva, além de grave equívoco jurídico, tratar o matrimônio civil como uma questão religiosa, submetendo o seu regime aos dogmas de qualquer confissão, ainda que majoritária. Não fosse assim, nem teríamos o divórcio no Brasil, já que, para a Igreja Católica, o casamento cria um vínculo indissolúvel entre os cônjuges. O Estado brasileiro é laico (…) No Estado laico, as instituições públicas – como o casamento – não podem ser moldadas de acordo com doutrinas religiosas, pois isto significa uma violência contra todos aqueles que não as professam. Por isso, para o Estado brasileiro, o casamento não é um ‘sacramento’ mas sim uma instituição civil, que deve ser talhada de modo a tratar a todas as pessoas com o mesmo respeito e consideração”. (Clique aqui e leia o artigo na íntegra)

No Chile, às propostas do PUC e do AVC se somou recentemente o projeto de lei de “Matrimônio Igualitário”, apresentado pelos senadores Fulvio Rossi e Isabel Allende (Partido Socialista de Chile), Guido Girardi e Ricardo Lagos Weber (Partido por la Democracia), e por Alejandro Navarro (Movimiento Amplio Social – MAS). O projeto busca legalizar o matrimônio homossexual no país mediante a modificação do artigo 102 do Código Civil, que determina que o matrimônio é a união entre um “homem e uma mulher”. Adicionalmente, pretende dar validez aos matrimônios homossexuais contraídos no exterior e dar-lhes os mesmos benefícios que aos formalizados no Chile.

Na Colômbia, a última proposta nesta matéria foi apresentada pela senadora Piedad Córdoba durante os primeiros dias de agosto. O Projeto 073 de 2010 tem como fim reconhecer por via legislativa as uniões de casais do mesmo sexo e seus direitos patrimoniais.

Estratégias

Tanto na Argentina como no México, o direito ao matrimônio homossexual foi alcançado pela via legislativa, ainda que com dificuldades. É preciso lembrar que, como no caso da descriminalização do aborto no México, a legislação do Distrito Federal tem encontrado uma forte oposição em outros estados, onde foram votadas leis destinadas a impedir o avanço desses direitos. Os ganhos obtidos em dezembro de 2009 tiveram que ser ratificados por via judicial, dado que o próprio governo federal apontou sua inconstitucionalidade perante a Suprema Corte de Justiça da Nação.

O fato de na Colômbia a proteção legal aos direitos de casais homossexuais ter sido alcançada através de demandas por inconstitucionalidade contra a legislação existente é uma estratégia fruto do fracasso da busca de tal reconhecimento pela via legislativa. Depois de apresentarem cinco projetos de lei que foram arquivados, os ativistas LGBT optaram pelas demandas de inconstitucionalidade para a obtenção de direitos. Algo parecido ocorreu à época da despenalização parcial da interrupção voluntária da gravidez no país, conseguida graças a uma demanda de inconstitucionalidade do artigo 122 do Código Penal colombiano que criminalizava o aborto em todas as circunstâncias. De forma similar, as organizações LGBT brasileiras decidiram atuar no âmbito judicial, uma vez que os projetos de lei apresentados não foram aprovados devido à forte influência da bancada religiosa no Congresso.

As diferenças nas estratégias de cada país também são evidentes na figura jurídica através da qual se busca a garantia dos direitos dos casais do mesmo sexo. Na Argentina e no México a figura tem sido a do matrimônio, enquanto na Colômbia usa-se a “união marital de fato”. Lá, a estratégia judicial tem encontrado um obstáculo, dado que uma redefinição constitucional de família deve fazer-se através do Congresso da República. Devido à necessidade desta reforma constitucional e o contexto hostil para a discussão destes temas no Congresso, até o momento não se colocou em marcha uma estratégia legislativa em relação ao matrimônio.

Por via judicial encontra-se em curso uma demanda na Corte Constitucional pela reforma do artigo 113 do código civil, que define o matrimônio como “um contrato pelo qual um homem e uma mulher se unem com o fim de viverem juntos, procriar e ajudar-se mutuamente”. Entre outros aspectos, se demanda por inconstitucionalidade os termos “homem e mulher” e “procriar” na citada definição. No caso de aprovada esta demanda, abriria-se a possibilidade de que os casais do mesmo sexo fossem reconhecidos como família e ampliassem o conjunto de direitos que pudessem exigir. Para ilustrar a discussão sobre a demanda, a Corte solicitou a vários organismos que emitissem um parecer a respeito. A Procuradoria Geral da Nação emitiu um parecer negativo, mas várias organizações e centros acadêmicos consultados têm-se mostrado favoráveis à demanda. Espera-se que a Corte emita sua decisão em novembro.

No Peru, devido ao fato de que a Constituição Política define o matrimônio como um vínculo entre um homem e uma mulher livres de impedimento matrimonial, as lutas pelo reconhecimento de direitos estão se dando, em primeiro lugar, através da união civil. Para que o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo seja legalizado naquele país, uma reforma constitucional deve ser aprovada e ratificada em duas legislaturas ordinárias consecutivas, cada uma dura aproximadamente 4 meses. Para isto, é necessário contar com a vontade política de uma significativa porcentagem de parlamentares, condição inexistente no contexto atual.

Para Abraham Siles Vallejos, especialista em Direito Constitucional e autor do livro El Amor prohibido: uniones afectivas estables entre personas del mismo sexo en el Derecho Constitucional peruano, proibições constitucionais não levam, necessariamente, a uma desproteção jurídica das uniões afetivas estáveis entre pessoas homossexuais, em virtude dos direitos fundamentais que a Constituição Política consagra. Neste sentido, Vallejos considera ser indispensável criar novos marcos normativos, aprovar e executar políticas e desenvolver ações positivas a esse respeito.

Assim como em outros países, no Chile a organização Movilh tem manifestado que suas lutas não se orientam por garantir direitos particulares aos casais homossexuais, mas sim pelo reconhecimento de direitos iguais entre homo e heterossexuais, dado que atualmente as uniões de fato não são reconhecidas. “Uma legislação civil deveria incorporar todos os casais, e não somente aos homossexuais, caso contrário se estariam gerando leis especiais”, afirma Juan Hernández, ativista do Movilh.

As organizações chilenas defendem o direito ao matrimônio de casais homossexuais juntamente com o direito à adoção, que tem sido rechaçado pela direita e pela maioria da Concertación(Aliança de Partidos pela Democracia).

Outros direitos como bandeiras de luta

A adoção é outro elemento que tem ocupado distintos lugares nos debates sobre direitos dos casais homossexuais nos países latino-americanos. No caso argentino, com a consideração de que “o matrimônio terá os mesmos requisitos e efeitos, independentemente de que os contratantes sejam do mesmo ou de sexo diferente”, se outorgou o direito a que casais do mesmo sexo possam adotar em conjunto.

No México, as modificações na legislação do Distrito Federal também incluíram o direito a adotar. À luz da demanda de inconstitucionalidade destas modificações, a Suprema Corte de Justiça da Nação (SCJN) discutiu a validez da adoção separadamente à do matrimônio. O ministro Sergio Valls Hernández assinala que “o mecanismo para autorizar uma adoção deve garantir que essa seja a melhor opção de vida para o menor, seja um casal heterossexual, do mesmo sexo ou de um homem ou de uma mulher individualmente”.

Apesar da oposição do Partido da Ação Nacional, do qual faz parte o presidente Felipe Calderón, e da forte pressão da Igreja Católica, o tribunal concluiu que as reformas no Código Civil relativas à adoção homoparental eram constitucionais e compatíveis com o direito de meninas e meninos a terem uma família de acordo com a Convenção sobre os Direitos da Criança. Deste modo, deram reconhecimento legal às adoções homoparentais levadas a cabo no Distrito Federal em todos os estados da federação mexicana.

Devido ao obstáculo que a definição constitucional de família representa na Colômbia, o direito à adoção não foi incluído na consideração aos casais do mesmo sexo dentro do conceito de união marital de fato. No momento, o movimento LGBT tem optado por excluir este tema devido à forte oposição à matéria, para que não haja conseqüências negativas na luta por outros direitos. No entanto, é importante assinalar que em 2009 um casal de mulheres em Antioquia interpôs uma ação de tutela contra o Instituto Colombiano de Bem-estar Familiar (ICBF), que negara a uma delas um pedido de adoção da filha biológica de sua companheira, concebida por inseminação artificial. Um juizado penal decidiu a favor das duas mulheres, mas o ICBF apelou, argumentando que os casais do mesmo sexo não podiam constituir uma família segundo a Constituição. O caso está sendo examinando pela Corte Constitucional, que em aproximadamente quatro semanas dará a conhecer seu veredicto.

No Brasil, em 2006 dois Tribunais de Justiça regionais aprovaram solicitações de adoção por parte de dois casais homossexuais. Um deles de Catanduva, cidade do estado de São Paulo, onde dois homens adotaram uma menina de cinco anos como um casal, depois de um deles tê-la adotado como homem solteiro. O outro caso ocorreu no estado de Rio Grande do Sul, onde o Tribunal de Justiça aprovou a adoção de dois meninos por parte de um casal de mulheres. A decisão foi apelada pelo Ministério Público Federal daquele estado, que solicitou sua anulação. O caso então passou ao Tribunal Superior de Justiça, que ratificou a validez da adoção dos dois meninos.



A decisão mais recente sobre adoção homoparental no Brasil aconteceu no último dia 16 de agosto, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) foi favorável a uma solicitação de adoção conjunta feita em 2005 por um casal de homens. Em 2008, o Estado havia-lhes concedido este direito com a restrição de que eles só poderiam adotar meninas ou adolescentes do sexo feminino maiores de 10 anos. Os dois então entraram com uma denúncia no Tribunal de Justiça do estado do Paraná por trato discriminatório. O Tribunal decidiu a favor do casal mas o Ministério Público paranaense interpôs um recurso extraordinário no STF para manter a restrição, que invalidou as objeções relativas ao sexo e à idade das crianças ou adolescentes a serem adotadas pelo casal. Apesar deste desfecho e mesmo se a Ação interposta pelo governador do Rio de Janeiro for aprovada no STF, ainda assim as restrições a respeito da adoção por parte de casais homossexuais serão mantidas, e qualquer demanda terá que ser feita por via judicial.


Perspectivas futuras

No La Moneda (palácio presidencial chileno), a iniciativa de uma legislação que regule e garanta direitos a conviventes homossexuais e heterossexuais instalou-se com força e conta com um amplo apoio da sociedade e dos partidos políticos. No entanto, o projeto de matrimônio igualitário gerou mal estar entre os partidos de direita e da oposição. Por isso, é provável que se legisle com o Pacto de Unión de Civil ou com o Acuerdo de Vida en Común e o país possa ter uma lei a respeito. No último dia 7 de agosto o ministro secretário geral da presidência, Cristián Larroulet, reafirmou que o governo enviará ao Congresso Nacional um projeto de lei próprio, pois nenhum dos que hoje se encontram em tramitação segue a linha que o Executivo pretende impulsionar.

No Peru, as dificuldades para se conseguir uma reforma constitucional que permita o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo parecem indicar que, no momento, não vão haver avanços com relação ao tema, senão na direção do reconhecimento de outro tipo de uniões civis.

A Cidade do México celebra a validez dada pela Suprema Corte ao matrimônio igualitário e à adoção homoparental, enquanto os outros 31 estados mexicanos vão em outra direção e tentam “blindar” suas legislações contra o comumente chamado “casamento gay”.

Apesar de os caminhos percorridos pelos países da região serem distintos, ao mesmo tempo são evidentes os avanços na direção do reconhecimento dos direitos de casais homoafetivos na América Latina. O matrimônio igualitário argentino teve uma ressonância importante na região, mas seus ecos são distintos em cada país e, de certa forma, inesperados. Assim como pode inspirar a outros movimentos para que ponham em marcha estratégias para o reconhecimento de seus direitos, pode alertar a alguns setores conservadores da região, que farão o possível para “proteger” suas legislações e “famílias” destes avanços. Foi o que aconteceu quando o Distrito Federal do México legalizou o aborto, e um número de estados da federação mexicana emitiu leis contra a prática, a pretexto de defender a vida e a família. A descriminalização do aborto por lá teve ecos em ouros países vizinhos na América Central, como Nicarágua, Honduras e Guatemala, onde parlamentares estabeleceram uma aliança, firmando o Libro de la Vida, com o qual se comprometeram a pôr um freio neste tipo de iniciativa.

Tais paralelos com o aborto podem trazer lições importantes e chamam a atenção para os ecos reacionários daqueles que ainda se opõem que lésbicas, gays, pessoas trans, bissexuais, mulheres e outros grupos sociais historicamente discriminados avancem na direção da garantia dos seus direitos.