CLAM – Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos

Seminário debateu família, religião e sexualidade

O maior desafio do evento, que terminou na sexta-feira, 6 de agosto, foi inter-relacionar religião, sexualidade e família, principalmente quanto às características inerentes ao que cada um desses domínios representa na modernidade. Com o objetivo de apresentar reflexões sobre as relações familiares nos dias de hoje, o seminário “Relações Familiares, Sexualidade e Religião” trouxe à tona o tema da família em conexão com as temáticas da religião e da sexualidade. Esta articulação buscou, segundo seus organizadores, uma melhor compreensão das lógicas culturais e das transformações pelas quais passa a família contemporânea no Brasil e na América Latina.



O seminário, iniciativa conjunta do Centro Latino Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (CLAM/IMS/UERJ), do Grupo de Estudo sobre a Família Contemporânea (GREFAC/UERJ) e Museu Nacional (UFRJ), incluiu debates sobre Sexualidade e Família, Reprodução e Religião, Família, Gerações e Envelhecimento e Sexualidade e Religião. Leia abaixo notícias sobre cada uma das mesas:





Mesa 1 – Sexualidade e família



Debatedor: Sérgio Carrara (CLAM/IMS/UERJ)



Maria Luiza Heilborn (CLAM/IMS/Uerj) – Uniões precoces e experiência da sexualidade



A antropóloga iniciou sua apresentação contextualizando o tema de sua palestra dentro da pesquisa GRAVAD, da qual é coordenadora nacional. “No Brasil, gravidez na adolescência é considerada um problema social”, afirmou ela, relacionando o episódio de gravidez às uniões precoces. “Freqüentemente essa união é decorrente de um episódio de gravidez”. Para Maria Luiza, existe um quadro social que propicia as uniões juvenis. “Cerca de 80% desses jovens são oriundos de famílias cujas mães têm um nível de educação baixo. As moças eram as principais responsáveis pelas tarefas domésticas e têm uma transição curta da condição de adolescente para a vida adulta. Com essa passagem curta e condensada para o status adulto, todo acesso à discussão sobre sexualidade está centrado no parceiro. Para elas, a sexualidade é objeto de aprendizado. A maioria tende a se casar com homens mais velhos”.



Teresa Valdès (Flacso, Chile) – Socialización, sexualidad y familia: adolescentes populares urbanos em Chile



“A sociedade chilena é muito diferente da brasileira. Passamos por uma ditadura militar de 17 anos. O Chile foi bastante adiantado nas questões de direitos reprodutivos até 1973, daí em diante se calou”, explicou a pesquisadora ao iniciar sua palestra. Segundo ela, o silêncio institucional instalado no país com a ditadura, tornou-se também um silêncio familiar. “Os adolescentes não tiveram em casa ou na escola informação sobre assuntos como contracepção, por exemplo. Tem-se medo de falar em assuntos como violência doméstica e gravidez na adolescência, discussões tidas como forma de estimular a prática”, salientou Teresa. “Isso mostra como a família vai perdendo sua importância.Com aausência dos pais, as jovens vão falar sobre sexualidade com suas amigas”.



Michel Bozon (INED, França) – As novas normas de entrada na sexualidade no Brasil e na América Latina



Para o pesquisador francês, no que concerne a sexualidade dos jovens, o Brasil é o país onde aconteceram mais mudanças que no resto do continente. A pesquisa realizada por Bozon foi centrada em 13 países da América do Sul, Central e Caribe. O pesquisador tratou de temas como iniciação sexual, fecundidade adolescente e proteção contraceptiva. No primeiro item, a média de idade para entrada na sexualidade, segundo a pesquisa, é de 17 anos na maioria dos países. “Os homens brasileiros agora iniciam suas atividades sexuais aos 16 anos. A iniciação sexual tende a ser com mulheres mais velhas”, disse ele. Outro dado importante abordado é que a diferença de gênero na iniciação sexual diminuiu. Quanto ao nível de proteção contraceptiva e contra a Aids, cerca de 25% das mulheres chilenas e 70% das brasileiras entrevistadas afirmaram fazer uso de métodos como o preservativo. “O nível baixo no Chile remete à polaridade de gênero. No Brasil, esse nível não me parece que será mantido alto a longo prazo”, observou Bozon.



Andréa Leal (NUPACS/UFRGS) – Práticas sexuais no contexto da conjugalidade: o que implica a intimidade?



“Uma relação sexual é, antes de tudo, uma relação social. Existem regras ditadas socialmente.O que pode e o que não pode ser feito está ligado a categorias morais”, iniciou a pesquisadora. Segundo sua pesquisa, produto da pesquisa GRAVAD, os casados praticam menos o sexo oral. Os entrevistados que tinham experiência de união declararam fazer mais o sexo anal que os solteiros, prática sexual normalmente experimentada com uma parceira eventual ou uma ex-namorada, não com a atual parceira. Quanto ao sexo oral, de acordo com a pesquisa, os homens tendem a receber mais que fazer. “Alguns homens disseram que só fazem nas esposas pois elas são mais “limpinhas”, lembrou Andréa. O carinho e o beijo na boca são apontados pelas mulheres como o que mais gostam na relação sexual. Nos dados qualitativos, as mulheres casadas entrevistadas tiveram a tendência a rejeitar o sexo anal e oral, descritos como coisa de “boiola”. “A entrada no status matrimonial restringe as práticas sexuais”, observou ela. A pesquisadora também concluiu que são os homens quem sugerem posições sexuais diferentes do “papai-mamãe”.










Mesa 2 – Pais e Filhos: Conflito e Negociação
 




Debatedor – Bila Sorj (IFCS/UFRJ)



Elza Ramos (Cerlis/França) – As negociações no espaço doméstico: construir a boa distância entre pais e jovens adultos coabitantes



“De que forma se faz a relação de pais e filhos na coabitação?”, questionou a socióloga francesa Elza Ramos na abertura de sua apresentação. “Essa relação se faz em torno do quanto é para se definir entre o pessoal e o familiar”, observou ela. “Com a população que trabalhei – a pesquisa foi feita com 50 “jovens adultos” franceses de classe média, de idades entre 19 e 27 anos -, os filhos conheciam as regras impostas pelos pais. Os limites nem sempre devem ser explicitados. Há uma compreensão mútua”. As negociações relevam o que faz sentido para as duas partes, equilibrando as relações. “Quanto maior o conhecimento dessas regras, maiores as chances de manter boas relações. Quando os jovens fecham as portas de seus quartos, por exemplo, eles expressam o desejo de não ser incomodados ou de não incomodar”, salientou a pesquisadora.



Cristiane Cabral (IMS/Uerj) – Gravidez na adolescência: negociações na família



A pesquisadora falou sobre as negociações em torno da assunção da paternidade na adolescência. ‘Foram entrevistados 15 jovens pais e 14 mães de jovens pais. A parceira era virgem identificada como ‘minha namorada’ ou ‘minha mulher’. A família de ambos desempenha papel fundamental. O apoio vai desde o enxoval do bebê até a cessão de cômodos para a moradia”, destacou Cristiane. Isto, segundo a antropóloga, intensifica o processo de assunção da paternidade e a entrada precoce no mercado de trabalho, ao lado do aumento da responsabilidade. “A assunção depende, e muito, do apoio das famílias envolvidas”, concluiu.



Elaine Reis Brandão (CLAM/IMS/Uerj) – A revelação da gravidez na adolescência em um contexto familiar de camadas médias



A palestra abordou o anúncio da gravidez adolescente e o que essa revelação desencadeia na família. “A gravidez torna público o exercício da sexualidade dos filhos. Os pais se surpreendem não com a prática sexual, mas com a precocidade que ela acontece”, ressaltou a pesquisadora. Elaine conta que todos as jovens entrevistadas narraram momentos difíceis, com a família ou com o parceiro, no momento da revelação da gravidez. “A reação dos pais tende a ser de espanto e surpresa. Alguns conseguem rapidamente reverter esse quadro, não censurando os filhos e os apoiando. As broncas não ocorrem sistematicamente. Há uma apreensão quanto ao futuro dos filhos”. Para ela, o apoio da família tende a ser estruturante para os jovens.



Parry Scott (UFPE) – Mensagens cruzadas: políticas públicas e relações familiares em meio rural



Estudar a relação entre as políticas públicas e as relações entre pais e filhos foi a proposta da palestra do pesquisador. Foi enfocado, principalmente, o efeito das políticas públicas sobre famílias que vivem em meio rural. “A questão envolve a história da idealização da família rural, a secundarização da produção e a priorização do consumo no contexto de agricultores reassentados no Rio São Francisco”, explicou Scott.









Mesa 3 – Família, Gerações e Envelhecimento
 




Coordenadora: Maria Luiza Heilborn



Myriam Lins de Barros (ESS/UFRJ) – Gênero e gerações: um estudo comparativo de mulheres no Rio de Janeiro



A apresentação de Myriam baseou-se em duas pesquisas, uma entrevista feita com moradoras idosas da cidade do Rio de Janeiro e outra com jovens que estavam ingressando na universidade. Ela pretendia comparar as duas gerações de mulheres tendo como contexto o espaço urbano da cidade do Rio de Janeiro, verificando como se dava a relação do processo de autonomia e a descoberta dos espaços da cidade. Ao entrevistar as idosas, Myriam relatou que há uma maior densidade de narrativas na juventude, período em que se fazem os projetos para a velhice. “As memórias da cidade, dessas mulheres, se interrompem no momento em que se casam, quando irão normalmente abandonar seus empregos, se trabalhavam, e irão dedicar-se às tarefas domésticas”, diz Myriam. “Nos relatos das jovens, após o ingresso na universidade há uma expansão da área urbana, o conhecimento de novos espaços físicos e sociais, novos contatos e novas formas de socialização”, completa a pesquisadora.





Clarice Ehlers Peixoto (PPCIS/UERJ) – Envelhecimento e novas tecnologias: o caso francês



A pesquisadora apresentou um estudo analisando as pessoas de mais idade e as novas tecnologias nas diferentes instâncias da vida. “Procurei investigar o nível de autonomia e dependência das pessoas idosas face às novas tecnologias no espaço público e privado”, diz Clarice. Sua pesquisa foi realizada no ano de 1999, num município ao sul de Paris, na França. O que ela verificou foi que o uso dos objetos tecnológicos pelos idosos não ocorre de maneira absolutamente livre nem totalmente forçada. “As pessoas de mais idade os adquirem e usam conforme sintam necessidade ou não. O acesso aos objetos tecnológicos pode-se dar por uma certa imposição social, como guichês eletrônicos de bancos, ou voluntariamente, como videocassetes ou computadores, usados pelos idosos como meio de se comunicar com as gerações mais novas de suas famílias, em geral os netos”.





Julio Assis Simões (USP) – Provedores e militantes: imagens de homens aposentados na família e na vida pública



“Com a imagem de provedores busco desconstruir a visão de encargo social do idoso. Muitas vezes, a aposentadoria não os livra da necessidade de assegurar o sustento de suas famílias”, esclarece o pesquisador. Em sua apresentação Julio retomou temas de seu doutorado, no qual entrevistou homens de 55 a 65 anos, antigos líderes sindicais e que se engajaram em um movimento de defesa da aposentadoria entre os anos 80 e 90 no Brasil.

“A aposentadoria permanece como uma questão política central, apesar da falta de atenção prestada aos idosos”, ressalta Julio.





Alda Britto da Motta (NEIM/UFBA) – Sociabilidades possíveis: idosos e tempo geracional



“A sociabilidade do idoso é uma questão contemporânea pois a idéia de idoso era de uma figura individual e não coletiva”, diz Alda. Sua pesquisa se baseou em dois grupos: o dos velhos jovens, de até 76 anos e os idosos mais velhos, com 80 anos ou mais. Segundo a pesquisadora, “os mais jovens ainda saem de casa, procuram grupos e fazem amizades. Os mais velhos possuem uma sociabilidade basicamente restrita ao ambiente familiar e voltada para a religião”. Alda ressalta que “há que se realizar mais pesquisas sobre os idosos de mais idade”.





Andréa Moraes (ESS/UFRJ) – Família, mulheres e velhice



A apresentação de Andréa foi o resultado de uma pesquisa realizada em seu doutorado que investigou as relações entre homens jovens e mulheres mais velhas em bailes de dança na cidade do Rio de Janeiro, os chamados ‘bailes de ficha’. O contraste entre seus entrevistados era bastante visível. “As mulheres tinham e ntre 60 e 70 anos, eram brancas e pertencentes às camadas médias da zona sul da cidade. Já os homens eram negros, jovens e provenientes das camadas populares dos subúrbios”, diz a pesquisadora. “As mulheres indicavam uma autonomia da família na escolha de sua atividade, a dança. Essa autonomia legitimada pelos parentes é uma novidade em relação ao conceito de velhice reclusa no lar”, explica Andréa.









Mesa 4 – Reprodução e Religião



Coordenadora: Clarice Peixoto (PPCIS/Uerj)

Debatedor: Cecília Mariz (Uerj)







Fabíola Rohden (IMS/Uerj) – Decisões reprodutivas e religião em uma pesquisa com jovens no Brasil



Até que ponto a religião influencia o comportamento sexual dos jovens? “Existem diferenças comportamentais dependendo da religião. No geral, as mulheres assumem muitas vezes comportamentos mais conservadores que os homens. No que se refere aos jovens da Assembléia de Deus, porém, são os homens que assumem esse comportamento, diferente dos jovens que se definem como sem religião”, observou a pesquisadora. “Para os jovens da Assembléia de Deus, por exemplo, virgindade é um valor importante”. Fabíola contou que os jovens entrevistados vinham de famílias evangélicas, o que ressalta o contraste entre permanência e mudança. “Entretanto, eles fizeram a opção pelo não rompimento. Você identifica um fator de permanência forte no grupo dos jovens da Assembléia de Deus”.



Márcia Couto (USP) – Gênero e comportamento reprodutivo no contexto de famílias em pluralismo religioso



“Eu acredito que a combinação de gênero, classe social e geração é que dá sentido ao fator religioso. Religião tem um peso no comportamento dos jovens, mas não é único”, afirmou a pesquisadora ao iniciar sua palestra. Márcia estudou jovens de quatro igrejas diferentes. “Em relação aos jovens do meu trabalho, o afastamento temporário da religião de origem, por exemplo, é aceito com reticências pela mãe e sem restrições pelo pai. Os pais compreendem que eles não se rendem constantemente às regras religiosas, embora reconheçam que elas estejam certas. A congregação tem um peso mais importante na religião do que na família”, concluiu a pesquisadora.



Luiz Fernando D.Duarte (Museu Nacional) – Ethos privado e modernidade: o desafio das religiões



“As maneiras pelas quais os féis se relacionam com a doutrina pode variar muito. Há um mercado de alternativas demarcado em relação aos valores modernos. A Assembléia de Deus, por exemplo, se apresenta mais afastada do mundo, enquanto outras religiões são mais flexíveis com a modernidade”, afirmou o pesquisador, explicando como a religião pode se adequar ao mundo moderno. Segundo Luiz Fernando, a ”congregação é uma instância controladora”, que pode gerar uma tensão entre a adesão e o afastamento, entre a família de origem (renunciada) e a neo-família.









Mesa 5 – Família e Religião
 




Debatedor: Luiz Fernando D. Duarte (Museu Nacional)



Evangelina Mazur (Museu Nacional, doutoranda) – Família terrena e espiritual em um contexto espiritualista



“Como se definem os laços familiares?”, com essa pergunta Evangelina Mazur iniciou sua fala. “Busco aqui uma reflexão sobre o tema ao invés de uma conclusão”, explicitou a pesquisadora. A apresentação baseou-se em pesquisa desenvolvida com uma família do interior da cidade do Rio de Janeiro, cujos membros possuiriam faculdades mediúnicas bastante desenvolvidas – conceito presente nas religiões espírita e na umbanda de uma forma geral – e também poderes de cura.

Segundo a pesquisadora, sua abordagem enfoca as dimensões espiritualistas dessa religiosidade que explora a dualidade entre matéria e espírito. Categoria central no discurso de seus informantes se refere à idéia de parentes espirituais, sinalizando para a preminência de uma família espiritual, nesta religião. “Os conceitos de família terrena e espiritual são interdependentes, são dois aspectos de uma mesma família. A convivência vai reconfigurando as relações familiares entre os parentes espirituais e terrenos”, explica a pesquisadora. A idéia de reencarnação sinalizaria para a possibilidade do reencontro desses parentes ao longo de outras encarnações. Assim, familiares espirituais podem tornar-se parentes terrenos, numa sucessão de encontros ao longo das gerações. O fundamental a destacar é que seria possível reconstruir a própria história pessoal a partir da relação com o passado.





Juliana Jabor (Museu Nacional, mestranda) – Amor e família em um contexto religioso



Juliana Jabor apresentou os resultados de uma pesquisa que desenvolveu investigando o ethos religioso de adeptos da religiosidade evangélica Batista. Enfocando uma família de classe média da zona sul, na cidade do Rio de Janeiro, onde vem realizando seu trabalho de campo, a pesquisadora apresentou reflexões sobre o significado do amor no discurso da matriarca desta família.

“Apesar das discussões sobre a crise da família moderna, delineia-se uma alternativa ético-religiosa que possibilita garantir a manutenção da família. Essa alternativa está vinculada ao sentido que Luiza, matriarca da família aqui estudada, atribui ao amor”, diz Juliana.

A pesquisadora enfatizou o sentido que esta categoria apresenta na fala de sua entrevistada, apontando para a herança do puritanismo entre os protestantes, de uma forma geral. Sua entrevistada enfatizaria a oposição entre sentimentos e ética, entre atitude e os impulsos pessoais, considerando a importância da “renúncia de si pelo bem do outro”: “o verdadeiro sentido do amor não é um sentimento, mas uma atitude amor. Se decidirmos tomar uma atitude de amor, o sentimento acaba seguindo esta ação”.

Encontrando na tradição religiosa o solo para suas interpretações acerca das relações familiares, sua entrevistada enfatizaria a importância do exercício de um “amor ação” na família. Essa atitude de amor consiste em possibilidade de glorificar a Deus.





Edlaine Gomes (UERJ, doutora) – Família, reprodução e moralidade em um contexto plural



“O material desta pesquisa é orientado pela possibilidade de compreender a religião a partir de três dimensões complementares: religião como identidade ou pertencimento; religiosidade como adesão e experiência ou crença e ethos religioso como disposição ética ou comportamento”, explica Edlaine na introdução de sua comunicação.

Nesta apresentação, seu foco de atenção foi um núcleo familiar Testemunha de Jeová, no qual investigou as “sensíveis tensões internas entre vida familiar e individualidade”. Apontando para as experiências de afastamento e aproximação dos familiares da religiosidade em questão, Edlaine sinalizou a preeminência de uma moralidade familiar marcada pelos valores correntes no universo religioso.

Privilegiando uma perspectiva comparativa Edlaine explicou que “a relação entre mães e filhas, em um contexto marcado pela influência católica ou evangélica, é caracterizada por um silêncio quase total das questões relacionadas à sexualidade. Já entre os Testemunhas de Jeová, há conversas sobre o tema, mesmo que o discurso seja marcado pela negação”. De uma forma geral, a pesquisadora observou que na adesão ao ethos dessa religiosidade, esse “falar sobre o sexo” constituiria uma possibilidade de exercer o controle sobre a sexualidade e conduta dos filhos.





Carlos Steil (UFRGS) – Os demônios geracionais. A herança dos antepassados em um contexto católico carismático



O pesquisador enfocou a influência das gerações passadas nas escolhas fundamentais e trajetórias de vida dos indivíduos no âmbito do catolicismo. O universo de pesquisa contempla o Grupo São José, um segmento do Movimento Carismático Católico de Porto Alegre que atinge cerca de 5 mil pessoas da cidade.

“Observei especialmente os rituais de cura, entrevistando os dirigentes e participantes desses rituais. A questão norteadora centra-se na interpretação do ritual de libertação, por meio do qual os seus dirigentes buscam romper com a herança negativa que os indivíduos receberam ainda no seio materno”, diz o pesquisador.

Segundo Carlos, “a introdução dessa dimensão intra-uterina na interpretação das doenças e curas psíquicas e orgânicas indicam a presença de um sistema alternativo de interpretação psíquico-místico e de valores éticos no interior do catolicismo”.









Mesa 6 – Sexualidade e Religião
 




Coordenadora: Myrian Lins de Barros

Debatedor: Peter Fry



Maria das Dores Campos Machado (ESS/UFRJ) – Individualidade, negociação e o respeito às diferenças nos novos modelos de família



Inserida em uma pesquisa mais ampla que tematiza a propalada crise da família contemporânea, esta apresentação buscou avaliar a opinião de jovens brasileiros acerca de temas como aborto e união civil homossexual. Desenvolvida a partir de questionários aplicados nos últimos três anos nas cidades de Porto Alegre, São Luís do Maranhão e Rio de Janeiro, a apresentação dos resultados destacou as tensões entre valores cristãos e o crescimento do chamado hedonismo nas sociedades modernas, procurando averiguar a transmissão de valores religiosos nas famílias, entre estudantes dos cursos de Medicina, Ciências Sociais e Jornalismo.

Dentre os resultados destaca-se o crescimento dos evangélicos nas três cidades, com especial destaque no Rio de Janeiro, com forte migração do catolicismo para os cultos pentecostais. Enfocando os entrevistados de perfil religioso, verificou-se que o aborto aparece como “aceito” por 60% das pessoas abordadas, dentre homens e mulheres, com o maior percentual de aceitação para os de origem judaica e o maior índice de rejeição fica por conta dos evangélicos. Porto Alegre é a cidade que concentra a maior parcela da população favorável ao direito do aborto, mostrando-se a mais liberal neste ponto.

Na questão sobre a aceitação da “união civil entre homossexuais”, novamente os evangélicos aparecem como seus maiores opositores: a resistência dos protestantes históricos e pentecostais à proposta de união civil parece ser muito maior do que no caso da regulamentação das práticas abortivas. O Rio de Janeiro e Porto Alegre aparecem como as cidades mais favoráveis à união civil entre homossexuais.





Naara Luna (Museu Nacional, doutora) – Religiosidade no contexto das novas tecnologias reprodutivas



Que relação usuários e profissionais de serviço de infertilidade geral e de reprodução assistida têm com a dimensão religiosa? Partindo dessa pergunta mais geral, a pesquisadora refletiu sobre concepções religiosas presentes no discurso de médicos e outros profissionais, bem como de usuários de um serviço destinado a fertilização in vitro (reprodução assistida sem sexo). O trabalho, foi fruto de observação participante realizada no Instituto de Ginecologia da UFRJ. “Outra parte do trabalho de campo consistiu em entrevistas gravadas com usuárias e profissionais de serviços de reprodução assistida em centros públicos e particulares”, situou a pesquisadora. “Embora o foco de minha pesquisa estivesse na procriação medicamente assistida, ou novas tecnologias reprodutivas, desde o início chamou-me a atenção o quanto usuárias de serviço de fertilidade se referiam à presença da divindade no processo reprodutivo”, observou, durante a apresentação.

A pesquisa chamou atenção, sobretudo, para como o sistema religioso informa os valores dos entrevistados no tocante a objetos e situações criados pelas novas tecnologias reprodutivas. “Quando há o desejo de ter filhos e a infertilidade é uma situação de sofrimento, a religião pode oferecer explicações para essa situação”, explica a pesquisadora. Assim, a própria associação entre reprodução e sagrado, encontra-se na tradição religiosa cristã principalmente a partir da idéia do filho como “uma bênção de Deus”.

Sublinhando as dificuldades, no entanto, de avaliar o grau de adesão religiosa dos entrevistados pela própria natureza do trabalho, Naara Luna considerou que conviveriam no discurso dos informantes, tanto concepções religiosas como elementos de um ethos privado não confessional. “O importante a destacar”, concluiu, “é que elementos da tradição religiosa são selecionados conforme sua pertinência em relação ao ethos pessoal”.





Marcelo Natividade (IFCS/UFRJ, doutorando) – Homossexualidade e experiência religiosa em biografias de homens pentecostais



A conversão de homossexuais a igrejas evangélicas trata-se de um fenômeno freqüente tanto na mídia religiosa quanto na literatura evangélica de uma forma geral. O assunto foi abordado pelo pesquisador, que mostrou como os dilemas vivenciados na construção da identidade homossexual aparecem como um pano de fundo na aproximação dessas pessoas do ambiente religioso. “Consiste a conversão, em possibilidade de enquadrar-se nos valores do grupo social em que se vive, a partir da construção de uma identidade de crente, onde a família, as experiências místicas, a reciprocidade entre as pessoas, aparecem como valores estruturantes”, diz o pesquisador. Ao entrevistar homens das classes populares, que vivenciam a experiência da conversão, mostrou-se sobretudo que a propalada cura envolve uma postura ética, uma atitude de recusa dos impulsos homossexuais, a afirmação da vontade contra o desejo, cuja força para resistir encontra-se na relação com Deus e no apoio da comunidade religiosa.

O pesquisador chamou a atenção também para o valor que a família ocupa nessas doutrinas e neste segmento social, enfatizando a tradição pentecostal de “recuperar dos desvios”. Os homossexuais, constituem assim, mais um público a ser atingido dentro de sua tradição proselitista e reformadora. Apesar dos discursos de acolhida, os evangélicos mantêm uma posição de “recuperar os homossexuais” e, sobretudo, “transforma-los” em heterossexuais. O intenso trabalho de intervenção sobre a homossexualidade estaria, assim, inserido nessa lógica da construção de um modelo de uma família de Deus e na naturalização dos gêneros masculino e feminino, segundo a cosmologia, único tipo de relacionamento sexual concebido por Deus.