CLAM – Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos

“Decisão não cabe ao presidente”

Às vésperas das eleições presidenciais no Brasil – que acontecem no domingo, 3 de outubro – a candidata do Partido Verde à Presidência da República, Marina Silva, fala sobre a participação da mulher na política, direitos civis LGBT, violência de gênero e aborto. “Não acho que o único argumento que deve ser levado em consideração para decidir esse assunto seja o moral. Há questões éticas, filosóficas e de direito, que precisam ser debatidas (…) É um debate e a decisão sobre essa questão não será tomada pelo Presidente da República. Essa é uma responsabilidade do Congresso Nacional, mas considero que uma questão tão complexa e importante como essa deve ser decidida diretamente pela sociedade, por meio de um plebiscito”, avalia, nesta entrevista exclusiva ao CLAM, dividida em cinco temas centrais: Planejamento Familiar, Saúde Reprodutiva, Violência de Gênero, Equidade de Gênero na Política e Direitos Civis LGBT.


Vale observar que contactamos os três principais candidatos à Presidência – Dilma Rousseff (PT), José Serra (PSDB) e Marina Silva (PV) – mas somente a candidata do Partido Verde respondeu à entrevista até a data limite acordada entre o CLAM e suas Assessorias.


PLANEJAMENTO FAMILIAR:


O governo federal lançou o Plano Nacional de Planejamento Familiar, no intuito de reduzir a mortalidade materna no país. No entanto, especialistas no tema destacam que o Plano ainda reforça o leque de duas opções (pílula e esterilização), deixando de lado outros métodos reversíveis. Para os pesquisadores, é necessário buscar soluções para os desvios nas práticas das políticas, como o problema da distribuição dos métodos contraceptivos. Segundo eles, fazê-los chegar aos usuários que mais necessitam ainda é um problema que não foi resolvido no Brasil, e os mais pobres – que vivem em áreas rurais, na região norte e em áreas como o sertão nordestino – ainda não conseguem ter acesso a eles. Como pretende enfrentar tais problemas?

Marina Silva – Integrando o funcionamento de diferentes sistemas de oferta de programas sociais hoje existentes que operam em nível federal, estadual e municipal em uma única rede e descentralizada, voltada para o atendimento prioritário das famílias mais pobres do país, constantes do Cadastro Único para os Programas Sociais. Aos agentes dessa Rede caberá atualizar o Cadastro Único, fornecer informações sobre deficiências, oportunidades e efetividade dos programas sociais, estabelecer com a família o Plano de Desenvolvimento Familiar, demandas junto aos produtores de programas e serviços a participação das famílias e acompanhar e estimular e evolução da família no alcance das metas por elas definidas. Também é necessário avaliar as necessidades de cada família, priorizar acesso aos programas sociais e serviços públicos e estabelecer metas a serem por elas alcançadas.

SAÚDE REPRODUTIVA:

A Pesquisa Nacional do Aborto, desenvolvida pela Universidade de Brasília e pelo Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis) e divulgada em maio deste ano, mostra que 1 em cada 7 mulheres ou cerca de 5,3 milhões de cidadãs já fizeram aborto no Brasil, apesar da criminalização da prática. Segundo dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, o aborto representa 10% dos casos de mortalidade materna no país. No entanto, a prática continua a somente ser permitida em duas circunstâncias – em casos de estupro e risco de morte à mulher. Qual a sua posição em relação à penalização das mulheres que recorrem ao aborto?

Marina Silva – Eu não faria um aborto e não advogo em favor dele, mas reconheço que existem argumentos relevantes dos dois lados da discussão e respeito as pessoas que têm posições diferentes da minha. Sei que essas situações acontecem em momentos de muito sofrimento e desamparo e não podem ser reduzidas e tratadas de forma simplista e maniqueísta. Também não acho que o único argumento que deve ser levado em consideração para decidir esse assunto seja o moral. Há questões éticas, filosóficas e de direito que precisam ser debatidas. Por isso, entendo que o Estado deve oferecer às mulheres toda a informação e cuidado necessários dentro do que esteja previsto pela lei, bem como deve desenvolver as políticas sociais necessárias para que as mulheres não sejam mais vítimas da desinformação e sofram sozinhas o drama e as conseqüências de uma gravidez não desejada. É um debate e a decisão sobre essa questão não será tomada pelo Presidente da República. Essa é uma responsabilidade do Congresso Nacional, mas considero que uma questão tão complexa e importante como essa deve ser decidida diretamente pela sociedade, por meio de um plebiscito. Em meio a todas as divergências que permeiam o debate, há uma convergência, pois entendo que todos concordam que há a necessidade de muito mais informação e mais discussão sobre o assunto.

VIOLÊNCIA DE GÊNERO:

O problema da violência contra a mulher tem sido melhor enfrentado com a Lei Maria da Penha, aprovada há 4 anos. No entanto, surgiram divergências acerca da sua constitucionalidade – a lei está constantemente sujeita a interpretações de magistrados e operadores de Direito – e há inclusive uma Ação no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a sua constitucionalidade. Que medidas o Executivo pode capitanear no sentido de uma melhor compreensão da Lei?

Marina Silva – A Lei Maria da Penha é um marco, mas ainda é preciso avançar. Todos os dias, 300 mulheres são agredidas dentro de suas casas. Em 68,1% dos casos a violência é presenciada pelos filhos. Desse total, 72,1% vivem com o agressor. Para enfrentar esse grande problema, propomos algumas medidas, como: Disque Denúncia acessível em todo o território e articulado com a rede de atendimento à mulher; trabalhar junto com municípios e estados para ampliar a rede de atendimento, com as delegacias, juizados, centros de convivência, abrigos (menos de 3% dos municípios brasileiros possuem abrigos, considerando que os juizados ainda não existem em várias cidades do Norte e do Nordeste); assistência às famílias e às crianças; humanização no cuidado das vítimas e política de drogas e de combate ao crack.

A violência contra gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais é alta no país. Para o movimento LGBT, a saída para o problema seria a criminalização da homofobia, a qual poderia ser obtida através da aprovação do PL 122/2005, que ainda enfrenta muitas oposições no Congresso, especialmente da chamada Bancada Evangélica. O projeto propõe a criminalização da homofobia nos mesmos moldes que a Lei Caó (7.716/89) pune o racismo. É favorável à criminalização da homofobia?

Marina Silva – Nas diretrizes do meu programa de governo explicitamos: “Queremos a valorização da diversidade e o respeito aos direitos das minorias”. O respeito aos direitos constituídos de todos os cidadãos, sem discriminá-los por qualquer razão, é um valor inegociável em um Estado democrático e faz parte de meu compromisso pessoal de vida na luta pela democracia.

EQUIDADE DE GÊNERO NA POLÍTICA:

Apesar da presença de duas mulheres na corrida presidencial, como avalia o sistema eleitoral brasileiro em relação à equidade de gênero? O que ainda pode ser feito, além da obrigatoriedade dos partidos políticos brasileiros a cumprirem a cota mínima de 30% de mulheres e a efetividade do sistema de lista fechada por alternância de gênero, para atrair mais mulheres para a política?

Marina Silva – Apesar da lei de cotas para mulheres na política, poucos são os partidos que cumprem com o percentual de 30% de mulheres. É importante que os Tribunais Regionais Eleitorais atuem de forma mais rígida em relação ao seu cumprimento e é preciso também que a sociedade valorize culturalmente as candidaturas femininas. Não adianta haver base legal se falta o processo social que produza mulheres com talento para a liderança política.

Segundo o Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), nas eleições deste ano, somente o estado do Mato Grosso do Sul alcançou mais de 30% – precisamente, 30,55% – de candidaturas femininas para o cargo de deputado federal. Mesmo assim, para o cargo de deputado estadual, a proporção entre os sexos ficou abaixo do fixado em lei, em 25,66%.

No maior colégio eleitoral do país, o estado de São Paulo, as mulheres ocupam apenas 21,01% das vagas para a Câmara dos Deputados e 19% para a Assembléia Legislativa. Em Minas Gerais, o segundo maior, os percentuais são, respectivamente, 15,21% e 14,84%. Na disputa por vagas pelas assembléias legislativas, os piores percentuais são do Espírito Santo, Maranhão e Tocantins, todos com índices abaixo de 15%. A região Sul obteve o melhor índice de candidaturas femininas, tanto para a Câmara quanto para as assembléias estaduais, 26,15% e 27,68%. A região Norte, os piores também para ambos os cargos: 17,56% e 19,81%.

DIREITOS CIVIS LGBT:

No dia 15 de julho foi aprovada na Argentina a lei nacional que permite o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo. No Brasil, onde a discussão gira em torno do pacto de união civil, uma ação no STF propõe que casais homossexuais tenham os mesmos direitos garantidos a casais heterossexuais. É favorável à união civil de pessoas do mesmo sexo com direitos e garantias que gozam casais de sexo oposto, sobretudo de ordem patrimonial?

Marina Silva – Sou favorável ao direito à herança, ao plano de saúde conjunto, ao acompanhamento em caso de deslocamento para outra cidade para cumprir função pública, ao acompanhamento em caso de internação, entre outros. Como presidente, trabalharei para que todas as pessoas tenham acesso a políticas públicas que assegurem condições de vida dignas, independente de credo, raça ou condição sexual.