Realizada em maio de 2006 – antes, portanto, da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340) – a Pesquisa Ibope/Instituto Patrícia Galvão Percepção e reações da sociedade sobre a violência contra a mulher buscou captar a percepção da sociedade brasileira sobre a impunidade da violência contra a mulher.
Para a diretora do Instituto Patrícia Galvão, Jacira Melo, a pesquisa já captava a demanda da população por leis que dessem respostas à altura para as denúncias de violência contra as mulheres. “Nossa pesquisa também tem sido percebida por gestores, especialistas e ativistas como um reforço à nova lei brasileira, e expressa a demanda da sociedade por uma legislação mais abrangente e eficiente contra a violência à mulher. A sensação de impunidade e ineficácia dos sistemas policial e judiciário deriva da própria experiência das mulheres, que dispõem de poucos meios de enfrentar e sair de uma situação de violência”, diz.
Sancionada pelo presidente Luis Inácio Lula da Silva no dia 7 de agosto de 2006, a Lei Maria da Penha prevê a criação de juizados especiais e acaba com as penas em que os agressores eram condenados ao pagamento de multas ou cestas básicas. Nesta entrevista, Jacira Melo comenta os resultados da pesquisa e a situação atual, após a referida lei. Para ela, ainda é cedo para afirmar se está havendo ou não um aumento de denuncias. “O que é possível dizer é que a violência contra as mulheres é cada vez mais reconhecida como um problema social grave e que exige atitude, não só da mulher que sofre a violência, mas do conjunto da sociedade”, observa.
Qual a percepção do brasileiro em relação ao problema da violência contra a mulher encontrada pela pesquisa?
A Pesquisa Ibope / Instituto Patrícia Galvão buscou captar a percepção da sociedade brasileira sobre a impunidade da violência contra a mulher e promover o debate público sobre a necessidade de medidas para prevenir e punir essa forma de violência. Realizada no primeiro semestre de 2006 – antes, portanto, da aprovação da Lei Maria da Penha – esta pesquisa expressa a demanda da sociedade por uma legislação mais abrangente e eficiente contra a violência à mulher.
A pesquisa revelou preocupação e uma sensação de impunidade sobre a violência contra a mulher. Metade dos brasileiros e brasileiras entrevistados conhece ao menos uma mulher que é ou foi agredida pelo companheiro. Enquanto 71% consideravam que a Justiça brasileira trata a violência contra as mulheres como um assunto pouco importante, 64% achavam que o homem que agride a companheira deve ser preso. Nos últimos dois anos cresceu a preocupação com a violência contra a mulher, em especial nas periferias dos grandes centros urbanos.
Há alguma diferença entre a percepção de homens e mulheres com relação à violência contra a mulher?
A pesquisa indicou algumas diferenças entre homens e mulheres. Por exemplo, mais mulheres (42%) do que homens (38%) afirmaram que a violência fora de casa é um tema de preocupação da brasileira na atualidade. Tudo indica que a experiência vivida pelas mulheres no espaço público as torne mais vulneráveis e, portanto, mais sensíveis do que os homens a respeito da violência na rua e do assédio sexual. Quando perguntados se conheciam ou não alguma mulher que sofre agressões de seu companheiro, mais mulheres (54%) do que homens (47%) responderam positivamente. Mas é preciso dizer que é cada vez maior o número de homens que demonstram sensibilidade e preocupação com o problema da violência contra as mulheres.
Depois da Lei Maria da Penha, as mulheres estão denunciando mais quando são agredidas?
Segundo a pesquisa Ibope, a maioria da população crê que hoje as mulheres denunciam mais. Essa percepção (65%) está muito acima da realidade da oferta de equipamentos e serviços especializados na atenção da violência contra a mulher. Sabe-se que há uma grande concentração de equipamentos e serviços nas grandes cidades e capitais do país. No entanto, ainda não dispomos de dados para afirmar se está havendo ou não um aumento de denuncias. O que é possível dizer é que a violência contra as mulheres é cada vez mais reconhecida como um problema social grave e que exige atitude, não só da mulher que sofre a violência, mas do conjunto da sociedade.
Em cada quatro entrevistados pela pesquisa, três consideravam que as penas aplicadas nos Juizados Especiais Criminais, nos casos de violência contra a mulher, eram irrelevantes. A que a sra. atribui essa sensação de impunidade e de ineficácia dos sistemas policial e judiciário, expressa pela população? Ela corresponde à realidade?
Ao procurarem os órgãos de segurança pública e instituições da Justiça, as mulheres em situação de violência experimentam a ambigüidade, hesitação, desinformação e até descaso na aplicação de medidas preventivas e punitivas ao agressor. Estudos indicam que, em dez anos de existência da Lei 9.099, 70% dos casos que passaram pelos Juizados Especiais Criminais estavam relacionados à violência doméstica. Desses casos, 90% foram arquivados ou resultaram no pagamento de cesta básica ou multa. Para se ter a sensação de punibilidade são necessários mecanismos objetivos para prevenir e coibir a violação em questão. O que a Pesquisa Ibope / Instituto Patrícia Galvão revela é que a sociedade não percebe com clareza a efetiva aplicação da lei nos casos de violência contra a mulher.
Por outro lado, vista por muitos como um assunto privado – a ser resolvido somente pelo casal e entre quatro paredes – e cercado de preconceitos, a violência doméstica contra a mulher tem sido tratada pela Justiça brasileira como um problema menor. Assim, a sensação de impunidade e ineficácia dos sistemas policial e judiciário deriva da própria experiência das mulheres, que dispõem de poucos meios de enfrentar e sair de uma situação de violência.
De acordo com a pesquisa, 54% dos entrevistados achavam que os serviços de atendimento a casos de violência contra as mulheres não funcionavam. Isto ainda corresponde à realidade? De que forma este dado levantado por essa pesquisa de opinião pode contribuir para melhorar esses serviços?
Quando se observa a magnitude do problema da violência contra as mulheres no Brasil – estudos indicam que mais de 2 milhões são espancadas por ano – percebe-se que há um déficit de serviços em nível nacional. Tudo indica que essa percepção negativa seja muito mais resultado da falta de serviços ou de resolução dos mesmos do que da própria experiência pessoal dos entrevistados. A divulgação desse dado pode contribuir tanto para um aumento no número de serviços como para uma maior capacitação de funcionários e melhoria na estrutura de atendimento.