“Para o movimento GLBT não é prioritário eleger candidatos deste segmento. O importante é encontrar políticos aliados”, afirmou o pesquisador Rafael de la Dehesa, professor assistente do Departamento de Sociologia, Antropologia e Trabalho Social da Universidade de Nova Iorque, na palestra “Idéias fora e dentro do lugar: eleições e direitos sexuais no Brasil e no México”, proferida na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, em 10 de julho, a convite do CLAM. O pesquisador lembrou que, em 1996, a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT) lançou vários candidatos a cargos legislativos, mas não elegeu nenhum. Ao entrevistar ativistas brasileiros para sua tese de doutorado, intitulada “Modernidade refratada”, realizada entre os anos 2000 e 2004 na Universidade de Harvard, a maioria afirmou que o mais importante era o (a) candidato (a) ter um projeto, e não o fato deste (a) ser gay ou lésbica. Na tese, Rafael analisa a relação entre ativismo GLBT e os partidos políticos no México e no Brasil – incluindo questões eleitorais.
“No México, o sistema eleitoral de lista fechada de alguma forma facilita a eleição de pessoas GLBT. No Brasil, ouvi muita gente dizer que negro não vota em negro, mulher não vota em mulher e gays não votam em gays. No caso do movimento GLBT, penso que a não eleição de um gay, uma lésbica ou uma travesti a um cargo público pode se dever, em parte, às dificuldades que o movimento tem em alcançar um eleitorado amplo, devido a seus limitados recursos”, avaliou.
Segundo o pesquisador, a escolha por um estudo comparativo entre Brasil e México se deve a várias razões. “Primeiro, porque esses países têm dois dos movimentos GLBT mais importantes e mais antigos da América Latina, entre os quais existem paralelos interessantes, como o fato de ambos os movimentos terem começado em contextos de autoritarismos e se fortalecido em processos de democratização”, explicou.
Na estudo, o pesquisador analisa as estratégias eleitorais criadas pelos ativistas como forma de aproximação aos partidos políticos. “No Brasil, desde o começo da década de 1980, teve início um ativismo legislativo – de luta por aprovação de leis -, o que tomou força no México somente no final dos anos 90. Por lá, o processo de democratização foi mais lento. O Partido Revolucionário Institucional (PRI) manteve-se no poder por 70 anos, e só perdeu a presidência do país no ano 2000. É nesse momento que o movimento GLBT mexicano volta-se para o Legislativo”, analisou Rafael.
Segundo ele, as questões GLBT só foram levadas ao Legislativo mexicano devido a uma articulação com outros movimentos, como o feminista. “Essas alianças sempre foram mais fortes no México do que no Brasil, até mesmo por uma questão de necessidade. Aqui, o Estado abriu as portas para as demandas GLBT bem mais cedo, através dos mais diversos partidos, e não somente do Partido dos Trabalhadores (PT), como era de se esperar”, disse ele.
O que também difere os dois países, segundo a pesquisa, é o modelo de representatividade política adotado pelos movimentos. “Em termos eleitorais, a representação simbólica – lançar candidaturas GLBT – tem sido uma estratégia importante no México, enquanto no Brasil predomina um modelo de ‘representação de interesses’, onde o que se pretende é que o candidato priorize a agenda GLBT, pertença ele ou não a este segmento, seja ele de um partido de direita ou de esquerda”, salientou.
Rafael destacou ainda dois temas prementes no Brasil: a laicidade do Estado e o projeto de lei de criminalização da homofobia a ser votado no Congresso Nacional. “Percebo que, à época da pesquisa, não se falava tanto em laicismo no Brasil quanto se fala agora. Muitos ativistas têm levantado a questão do Estado Laico. No México, o Estado Laico é construído de maneira muito mais forte. Lá, se um político levanta a bíblia no Congresso, ele vai ser criticado por toda a sociedade, incluindo todos os partidos políticos, aliados ou não”, afirmou. A laicidade do Estado mexicano possivelmente foi um dos fatores que possibilitou a aprovação da lei contra a homofobia naquele país.
“O que também propiciou a aprovação desta lei foi o momento de democratização pelo qual o país passava, acabando de eleger Vicente Fox como o primeiro presidente que não pertencia ao PRI. A lei também foi aprovada porque é difícil se opor a uma lei que criminalize a discriminação”, disse Rafael, afirmando ser possível que o Brasil tome o mesmo caminho.