Edição temática dos Cadernos de Saúde Pública (v.22 n.7, jul. 2006) sobre juventude, sexualidade e reprodução, que tem como editoras Maria Luiza Heilborn (Programa em Gênero, Sexualidade e Saúde e CLAM/IMS /UERJ), Estela Aquino (MUSA/Instituto de Saúde Coletiva/UFBA) e Daniela Knauth (Núcleo de Antropologia do Corpo e da Saúde/UFRGS), reúne uma série de trabalhos desenvolvidos a partir da Pesquisa GRAVAD – Gravidez na adolescência: Estudo Multicêntrico sobre Jovens, Sexualidade e Reprodução no Brasil, que contou também como um dos seus coordenadores o demógrafo Michel Bozon (INED). Os artigos enfocam fenômenos que têm gerado intenso debate público, como a iniciação sexual precoce, a AIDS, o baixo índice de contracepção entre os jovens e a “gravidez na adolescência”. A pesquisa Gravad é resultado de parceria entre três universidades públicas: UERJ, UFBA e UFRGS. A íntegra da pesquisa, que será publicada no livro O aprendizado da sexualidade: reprodução e trajetórias sociais de jovens brasileiros (Ed. Garamond/Fiocruz), e a versão impressa do Cadernos de Saúde Pública serão lançados no Congresso da Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco), que acontece entre os dias 21 e 25 de agosto no Rio de Janeiro. A versão online do Cadernos de Saúde Pública já encontra-se disponível na biblioteca eletrônica SciElo.
Como destacam as editoras na apresentação do suplemento especial, “as concepções difundidas pelo senso comum e pela mídia apresentam os jovens como incapazes de gerir a vida afetiva e sexual e, com freqüência, como irresponsáveis em seus comportamentos. A imagem dominante é de uma vida sexual desregrada, na qual predominam os relacionamentos efêmeros. Imagem que se nutre de variada gama de preconceitos que a pesquisa científica deve ajudar a desconstruir”, afirmam.
O título de cada artigo listado abaixo tem um link para a sua íntegra na página da SciElo:
No artigo “A relação sexual como uma técnica corporal: representações masculinas dos relacionamentos afetivo-sexuais” as antropólogas Andréa Fachel Leal e Daniela Knauth, do Núcleo de Antropologia do Corpo e da Saúde (NUPACS/UFRGS), analisam a iniciação sexual masculina como um momento de aquisição de conhecimento. A partir de perspectiva antropológica e comparativa, o exame dos relatos da primeira experiência amorosa e sexual feito pelas pesquisadoras revela que a primeira experiência sexual dos homens é um aprendizado corporal e social, através do qual os jovens adquirem conhecimento técnico sobre o uso de seus corpos e habilidade para se relacionar com outros, especialmente as mulheres. A primeira relação sexual de um jovem não é um evento isolado mas é uma seqüência de experiências que envolve aprendizados de diferentes ordens e que integra um processo de se tornar homem” tornando este momento social e simbolicamente marcante para os jovens.
O artigo “Adolescentes e uso de preservativos: as escolhas dos jovens de três capitais brasileiras na iniciação e na última relação sexual” mostra que, segundo dados da pesquisa GRAVAD, o uso de preservativos pelos jovens aumentou, mas não significa que sejam usados em todas as relações sexuais. O que certamente coloca desafios para as políticas que visam a mudança de comportamento na esfera reprodutiva. “O maior uso de preservativo entre os jovens não implica uso continuado. As moças declaram ter utilizado menos preservativo, quando comparadas às respostas de rapazes” afirmam as autoras Ana Maria Teixeira (Departamento de Medicina Social/Universidade Federal de Pelotas), Jandyra Maria Guimarães Fachel (Programa de Pós-graduação em Epidemiologia/UFRGS), Daniela Knauth e Andréa Fachel Leal (Núcleo de Antropologia do Corpo e da Saúde/UFRGS).
“Trajetória escolar e gravidez na adolescência entre jovens de três capitais brasileiras”, assinado por Maria da Conceição C. Almeida; Estela M. L. Aquino e Antoniel Pinheiro de Barros, do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia, descreve a relação entre características da trajetória escolar de jovens mulheres e homens e a ocorrência da gravidez na adolescência. “Quase metade das jovens que interrompeu os estudos pelo menos uma vez relatou uma gravidez na adolescência. O motivo principal para interrupção dos estudos foi a gravidez e filhos para as mulheres e o trabalho para os homens”, dizem os autores. O abandono escolar na ocasião da gravidez na adolescência foi referido por 40,1% das moças cuja gravidez terminou em filho. Contudo, 20,5% já tinham evadido antes de engravidar.
Em “Cogitação e prática do aborto entre jovens em contexto de interdição legal: o avesso da gravidez na adolescência”, as autoras Simone Ouvinha Peres (Instituto de Psicologia/UFRJ) Maria Luiza Heilborn (Instituto de Medicina Social/UERJ) objetivam desvelar a idéia do aborto no âmbito das reflexões dos jovens diante de uma gravidez na adolescência. O texto é baseado nos dados qualitativos da Pesquisa GRAVAD com um total de 123 entrevistados de ambos os sexos, no qual 73% dos jovens considerou a possibilidade do aborto face a um episódio de gravidez não prevista, mesmo em um contexto de ilegalidade como aquele presente na sociedade brasileira.
O tema tem seqüência no artigo “Aborto provocado na juventude: desigualdades sociais no desfecho da primeira”, de Estela Aquino, Greice Menezes e Diorlene Oliveira da Silva, do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia, agora tomando como universo amostral o inquérito domicilar realizado com 4634 jovens em três capitais brasileiras. O estudo teve como objetivo identificar os fatores associados ao aborto provocado na primeira gravidez das mulheres e na primeira vez que os homens engravidaram uma parceira. Os resultados trazem importantes novidades como rejeitar a idéia do senso comum de associação do aborto com iniciação sexual precoce e salientar que moças com condições materiais mais vantajosas recorrem especialmente à interrupção da gravidez, fazendo-o em condições seguras.
“Sexualidade e gravidez na adolescência entre jovens de camadas médias do Rio de Janeiro, Brasil” aborda a gravidez na adolescência entre jovens de camadas médias através da análise de três aspectos: as dificuldades de internalização da norma contraceptiva, a descoberta tardia da gravidez, e a tomada de decisão aborto ou reprodução pelos jovens e seus pais. “O fenômeno precisa ser compreendido em um contexto histórico e cultural específico, distinto de sua ocorrência décadas atrás, pois está marcado pelas regras que organizam o processo de individualização juvenil na contemporaneidade”, observam Elaine Reis Brandão (Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva/UFRJ) e Maria Luiza Heilborn (Instituto de Medicina Social/UERJ), autoras do artigo.
Ao lado da pesquisadora Acácia Batista Dias (Universidade Estadual de Feira de Santana), Estela Aquino é também autora do artigo seguinte, “Maternidade e paternidade na adolescência: algumas constatações em três cidades do Brasil”. Segundo elas, a “existência de filhos motiva a união conjugal juvenil, na qual se reafirmam as funções de prover e cuidar da criança para homens e mulheres, respectivamente. A família se constitui como instância fundamental de apoio material e afetivo para os jovens pais, mesmo para aqueles que formaram um novo grupo familiar”.
Helen Gonçalves e Denise Gigante, do Programa de Pós-graduação em Epidemiologia da Universidade Federal de Pelotas, assinam um dos artigos que não estão relacionados à pesquisa GRAVAD. No texto “Trabalho, escolaridade e saúde reprodutiva: um estudo etno-epidemiológico com jovens mulheres pertencentes a uma coorte de nascimento”, elas afirmam que “a gravidez é uma decorrência positiva do envolvimento afetivo com o companheiro; expõe a sexualidade juvenil; confere novo status no grupo e dá certa autonomia social”, reiterando conclusões presentes em outros estudos que assinalam o eventual caráter positivo de um evento reprodutivo em faixa etária bastante jovem.
Em “Práticas sexuais na juventude: análise sobre a trajetória e a última relação sexual”, Maria Luiza Heilborn e Cristiane S. Cabral, do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, examinam as práticas sexuais de jovens brasileiros com base no inquérito GRAVAD. Procedem a uma comparação entre o elenco de práticas na trajetória de vida e as declarações acerca do que foi feito na última relação sexual. Objetivam assim “discutir o grau de disseminação e de incorporação das práticas relativamente à trajetória dos jovens. Os dados apontam a hegemonia do sexo vaginal, seja no repertório das práticas sexuais, seja no último encontro sexual, modalidade que é por excelência definidora da heterossexualidade”, observam as autoras.
“Re-significando a dor e superando a solidão: experiências do parto entre adolescentes de classes populares atendidas em uma maternidade pública de Salvador, Bahia, Brasil”, assinado por Cecília McCallum (School of Social Sciences, University of Manchester, Reino Unido) e Ana Paula dos Reis (Instituto de Saúde Coletiva/Universidade Federal da Bahia), o trabalho examina o parto em uma maternidade pública de Salvador, Bahia, Brasil, com base na perspectiva de mulheres jovens e adolescentes, a maioria das quais negras e de classes populares. O estudo, de caráter antropológico, baseia-se na análise de entrevistas e na etnografia do hospital, particularmente do centro obstétrico, permitindo um olhar aos matizes da experiência de parir.
“Magnitude e caracterização de situações de coerção sexual vivenciadas por jovens de três grandes capitais brasileiras: Porto Alegre, Rio de Janeiro e Salvador” trata da coerção sexual entre jovens, moradores de três grandes centros urbanos brasileiros. Além de avaliar a prevalência, analisa as características de vítimas e perpetradores, identifica as principais estratégias de coerção utilizadas e explora os cenários sociais que favoreceram a ocorrência da violência sexual. Assinam o artigo as pesquisadoras Maria Luiza Heilborn, Cláudia Leite de Moraes e Cristiane S. Cabral, do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
A edição traz ainda duas notas e uma revisão. A primeira nota, “Adolescência, sexualidade e reprodução: construções culturais, controvérsias normativas, alternativas interpretativas”, assinada por Miriam Ventura e Sonia Corrêa, da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (ABIA) aborda as atuais concepções culturais e jurídicas em torno dos direitos sexuais e reprodutivos dos adolescentes.
A segunda nota, “Mulheres que fazem sexo com mulheres: algumas estimativas para o Brasil”, assinada por Regina Maria Barbosa (Núcleo de Estudos da População/UNICAMP) e Mitti Ayako Hara Koyama (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados de São Paulo), traz um significativo resultado de pesquisa sobre homossexualidade feminina no país . Tal estudo é pioneiro no dimensionamento dessa experiência sexual tão pouco conhecida dos estudos acadêmicos.
Sob o título “Modos de conceitualizar e medir homossexualidade em pesquisas sobre sexualidade: uma revisão crítica”, os pesquisadores Stuart Michaels (Center for Gender Studies/University of Chicago, EUA) e Brigitte Lhomond (Laboratoire d’Analyse des Systèmes de Santé/Université Lyon, França) assinam a revisão das principais pesquisas nacionais sobre sexualidade que apresentam perguntas sobre homossexualidade, com foco nas questões conceituais e metodológicas sobre as definições de sexo, os aspectos de medição da homossexualidade, as técnicas de amostragem e de entrevistas e o formato do questionário.