CLAM – Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos

O que eles pensam sobre o aborto?

O dia 28 de setembro (Dia pela Descriminalização do Aborto na América Latina e Caribe) é marcado por diversos eventos que colocam em destaque a luta das mulheres latino-americanas pelo direito de interromper uma gravidez não planejada. No Brasil – onde o argumento central de quem é contrário à legalização do aborto é que a vida humana começa no momento da concepção e que, portanto, interromper uma gravidez é um crime contra a vida – a prática só é permitida legalmente em duas circunstâncias: em caso de estupro ou risco de morte para a mulher. Atualmente, tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) uma ação que propõe a descriminalização da interrupção da gravidez em caso de anencefalia (ausência de cérebro no feto). Às vésperas das eleições presidenciais, buscamos analisar, com base no que tem sido publicado pela grande imprensa, o que pensam os principais candidatos sobre o tema, especialmente em um ano em que pela primeira vez a corrida pelo cargo máximo da nação tem duas mulheres entre seus protagonistas.

Líder nas pesquisas com aproximadamente 50% dos votos, a candidata do Partido dos Trabalhadores (PT), Dilma Rousseff, em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, defendeu que o governo cumpra a lei e faça o procedimento em estabelecimentos públicos de saúde nos casos estabelecidos por lei.

“O que nós defendemos é o cumprimento estrito da lei, que prevê casos em que o aborto deve ser feito e provido pelo Estado”, afirmou a candidata, ressaltando que mulheres com melhores condições fazem abortos em clínicas, enquanto as menos favorecidas acabam recorrendo a técnicas perigosas, como o uso de agulhas de tricô.“Não conheço nenhuma mulher que ache aborto uma coisa maravilhosa. Não se deve tratar a questão como religiosa ou de foro íntimo, mas de saúde pública”, afirmou.

A candidata, porém, parece não defender publicamente uma mudança na lei, para que se abram mais permissivos legais. Segundo declarou, o aborto para ser possível tem de estar previsto em lei. “Mudança é um processo que tem que ser discutido com a sociedade e tem que ver o que um governo fará”.

A discussão sobre o tema em sociedade é uma posição também sustentada pela candidata do Partido Verde (PV), Marina Silva, com a diferença que esta defende plebiscito sobre o tema, assim como sobre a legalização das drogas. Em entrevista exclusiva concedida ao CLAM – para a qual os outros dois principais candidatos também foram convidados, mas não responderam – a candidata afirmou:

“ Sei que essas situações acontecem em momentos de muito sofrimento e desamparo e não podem ser reduzidas e tratadas de forma simplista e maniqueísta. Também não acho que o único argumento que deve ser levado em consideração para decidir esse assunto seja o moral. Há questões éticas, filosóficas e de direito que precisam ser debatidas. Por isso, entendo que o Estado deve oferecer às mulheres toda a informação e cuidado necessários dentro do que esteja previsto pela lei. É um debate e a decisão sobre essa questão não será tomada pelo Presidente da República. Essa é uma responsabilidade do Congresso Nacional, mas considero que uma questão tão complexa e importante como essa deve ser decidida diretamente pela sociedade, por meio de um plebiscito”, disse Marina.

 Segundo colocado nas pesquisas, o candidato à Presidência pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), José Serra, de acordo com o jornal O Estado de São Paulo, afirmou-se contra a descriminalização do aborto e de mudanças na lei – baseada no Código Penal formulado em 1940 –, após entrevista a um programa do canal Sistema Brasileiro de Televisão.

“Eu não sou a favor do aborto. Não sou a favor de mexer na legislação. Agora, qualquer deputado pode fazer isso. Como governo, eu não vou tomar essa iniciativa”, declarou.

Para ele, a liberação promoveria uma “carnificina” no País e prejudicaria programas de prevenção à gravidez indesejada. “Dificultaria o trabalho de prevenção, como no caso da gravidez na adolescência, que é um assunto muito grave. Vai (ter) gravidez para todo o lado porque (a mulher) vai para o SUS (Sistema Único de Saúde) e faz o aborto”, disse, em sabatina no jornal Folha de São Paulo no dia 21 de junho.

Candidato com menos de 1% das intenções de votos, segundo as pesquisas, Plínio Arruda Sampaio, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), parece ser o único que defende a descriminalização da prática do aborto publicamente. Em artigo publicado em seu website oficial, o candidato afirma:

“Como candidato a um posto de comando na estrutura de poder do Estado, minha posição precisa levar em conta a dimensão social e política do problema e o caráter da sociedade em que vivo – uma sociedade plural. Nesta condição, sou obrigado a cumprir a lei estabelecida e a contribuir, como minha opinião, para a formulação de uma lei que responda ao consenso ético da sociedade sobre o assunto. Segundo as estatísticas centenas milhares de mulheres morrem ou sofrem danos físicos psicológicos graves em razão da ocorrência de um milhão e quatrocentos mil abortos clandestinos todos os anos. Trata-se, portanto, de um sério problema de saúde pública. As medidas que o Estado brasileiro adotou para fazer frente a esse problema dividem hoje a sociedade: descriminalização e legalização constituem as reivindicações principais. Apoio o movimento em favor da descriminalizaçào do aborto porque, evidentemente, a lei atual demonstrou ser, não apenas ineficaz, mas claramente perniciosa, uma vez que obriga as mulheres a recorrer a pessoas despreparadas e inescrupulosas para interromper uma gravidez indesejada. Em uma sociedade pluralista, o Estado não tem o direito de impor uma convicção fundada na fé de uma parcela da sociedade a pessoas que têm convicção diferente”.

Posições mais favoráveis

Apesar das posições conservadoras a respeito do aborto expressas pela maioria dos candidatos, no tocante a outros temas tidos como “polêmicos”, as opiniões parecem ser mais favoráveis.

O candidato do PSDB à Presidência, José Serra, afirmou ao jornal Folha de São Paulo ser a favor da união civil e da adoção de crianças por casais homossexuais. “Tem tanto problema grave de crianças abandonadas no Brasil. Isso vale para qualquer tipo de casal, qualquer tipo de pessoa. Não vejo por que não aprovar isso”, disse ele durante sabatina da Folha.

Durante sua participação no programa “Roda Viva”, transmitido pela TV Cultura no dia 28 de junho, a candidata do PT, Dilma Rousseff, afirmou: “Sou a favor da união civil. Acho que a questão do casamento é religiosa. Eu, como indivíduo, jamais me posicionaria sobre o que uma religião deve ou não fazer. Temos que respeitar. No entanto, direito à herança e a receber a aposentadoria do parceiro são direitos civis básicos e devem ser reconhecidos de forma civil”.

Posição semelhante a da candidata Marina Silva (PV). “Sou favorável ao direito à herança, ao plano de saúde conjunto, ao acompanhamento em caso de deslocamento para outra cidade para cumprir função pública, ao acompanhamento em caso de internação, entre outros. Como presidente, trabalharei para que todas as pessoas tenham acesso a políticas públicas que assegurem condições de vida dignas, independente de credo, raça ou condição sexual”, sustenta, em entrevista concedida ao CLAM.

Em artigo publicado na revista Carta Capital a respeito da luta contra a homofobia e da necessidade de se enfrentar os preconceitos arraigados na sociedade, Plínio Arruda Sampaio (PSOL) observou: “A Constituição brasileira assegura que todo brasileiro seja tratado como igual. A atividade sexual sempre foi objeto de atenção por parte das religiões e dos integrantes da classe dominante, como formas de controle da sexualidade que levam à dominação e à opressão. Isto não é aceitável porque está na raiz do preconceito e da discriminação (…) Preconceitos e discriminações são comportamentos longamente arraigados e difíceis de extirpar. Aqui no Brasil já caminhamos bastante no que se refere à orientação das pessoas em relação ao sexo, mais ainda há muito que fazer (…)E quem se propõe a debater os rumos do país e governar o povo brasileiro não pode se chocar com preceitos básicos do humanismo, submetendo-se à hipocrisia”.

Questionado sobre o chamado “casamento gay” em sabatina na Rede Record de Televisão, o candidato sustentou que, embora católico, defende a separação entre a união civil e religiosa, dizendo-se favorável ao casamento civil entre duas pessoas do mesmo sexo. “O quadro pode ser regulamentado pela lei civil. É um casamento civil legítimo. Essas pessoas têm uma vida comum, têm gastos, constroem um patrimônio”.

No dia 19 de maio, a convite das organizações gays brasileiras, Plínio Arruda Sampaio foi o único candidato presente na I Marcha Nacional Contra a Homofobia, em Brasília, que reuniu cerca de duas mil pessoas. Os participantes defendiam a aprovação pelo Congresso Nacional de projetos que criminalizam a homofobia no pais (PL 122) e legalizam a união civil entre pessoas do mesmo sexo e a adoção de crianças por casais homossexuais.