CLAM – Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos

“Por um fazer científico que inclua o cuidado”

Laura Lowenkron

Waleska Aureliano

GT Mães cientistas da UERJ

A partir do primeiro trimestre da pandemia, pesquisadoras de diferentes instituições começaram a sentir com particular intensidade que as suas condições de produção estavam sendo afetadas de formas profundamente desiguais. Do Brasil e do exterior, chegavam notícias sobre a queda de produtividade das mulheres-mães cientistas frente a seus pares sem filhos, especialmente homens. Mesmo entre mulheres sem filhos observou-se queda na produtividade por estarem, em muitos contextos, envolvidas com o cuidado de pais idosos ou outros familiares. E entre as mulheres negras, as desigualdades que impactam a produtividade e a carreira acadêmica são ainda mais acentuadas. A palavra chave da pandemia era e é cuidado, e logo se percebeu que esse cuidado tinha rosto de mulher. Não por qualquer dom natural das mulheres para cuidar, mas por uma estruturação social, histórica e politicamente situada, que circunscreveu o cuidado, essa ação básica e inescapável da condição humana, como algo feminino, além de muitas vezes racializado e articulado a desigualdades de classe e geracionais.

As medidas de isolamento social, que levaram ao fechamento de creches e escolas e também à suspensão de redes de apoio, contribuíram para agravar desigualdades estruturais. Mas os efeitos diferenciados da parentalidade na carreira acadêmica de homens e mulheres antecedem a crise sanitária, e movimentos recentes como o Parent in Science foram cruciais para trazer esse debate para o campo científico. As ciências humanas e sociais têm um longo arsenal de pesquisas que aborda as desigualdades de gênero, frequentemente articulada a marcadores de raça e classe, no mundo do trabalho produtivo e reprodutivo. Nesses debates, a maternidade tem sido reconhecida como um papel social e uma construção cultural que ocupa lugar central no processo de reprodução naturalizada de desigualdades sociais. Porém, pouca reflexão havida sido feita, pelo menos no Brasil, sobre questões envolvendo gênero e outros marcadores sociais quando se tratava do trabalho acadêmico e científico.

Afetadas pelas circunstâncias da pandemia, mulheres de diferentes universidades começaram a se mobilizar para discutir ações visando diminuir os impactos que a maternidade, agravados pela crise sanitária, estavam produzindo nas carreiras das mães pesquisadoras. O pioneiro Grupo de Trabalho Mulheres na Ciência, da UFF, criado em 2018, foi importante fonte de inspiração e interlocução para essas diferentes iniciativas que começaram a surgir ao longo de 2020, em plena pandemia, em outras universidades flumenses: UERJ, UFRRJ e UFRJ. Os grupos das quatro instituições se articularam em março de 2021 para a construção do Fórum Estadual dos Grupos de Trabalho sobre Equidade de Gênero, Parentalidade e Diversidade das Instituições de Ensino Superior (IES) do Rio de Janeiro, que teve seu lançamento oficializado em um evento no último dia 2/7, transmitido pelo Youtube (https://www.youtube.com/watch?v=CIjCG4UKkHo).

O I Encontro do Fórum teve apresentação de duas mesas. A primeira com representantes da administração das IES envolvidas que falaram sobre a importância desses grupos de trabalho para suas instituições e para promoção da equidade de gênero no campo acadêmico-científico. Estiveram nesta mesa a primeira mulher Reitora da UFRJ, professora Denise Pires, o Reitor da UFRRJ, professor Roberto Rodrigues, o reitor da UFF, professor Antonio Claudio da Nóbrega e a Pró-reitora de Extensão e Cultura da UERJ, professora Cláudia Gonçalves de Lima, representando o Reitor Ricardo Lodi. Apesar de celebrarem os avanços institucionais recentes, associados à criação e à atuação dos diferentes GTs com o fundamental apoio das administrações, todos reconheceram que os desafios ainda são imensos e há muito a ser feito.

Na segunda mesa, as coordenadoras de cada GT apresentaram o histórico dos grupos, seus principais objetivos, conquistas alcançadas e projetos futuros. “Pautadas por um sentimento de coletividade, afeto e respeito, defendemos uma ciência mais inclusiva e atenta a um fazer científico que não exclua o cuidado, cerne de nossas existências”, sintetiza Waleska Aureliano, uma das coordenadoras do GT Mães Cientistas da UERJ. Ela também frisou, em sua apresentação, a necessidade de que o grupo de trabalho da UERJ, que celebra neste mês de julho seu primeiro ano de existência, seja oficializado pela reitoria. Segundo ela "dos 4 grupos que compõem esse Fórum, somos o único ainda não oficializado pela administração universitária, o que obviamente não tem nos impedido de agir e atuar na UERJ. Porém, a oficialização do GT garante apoio institucional para mudanças efetivas e de longo prazo”.

Durante o encontro foi também apresentado o documento “Diagnóstico situacional e metas interinstitucionais para Equidade de Gênero nas IES”, elaborado coletivamente pelas pesquisadoras das quatro instituições integrantes do Fórum. O formulário está disponível no endereço https://forms.gle/1SvA3AEo9fVJXX2q7 e pode ser respondido por qualquer pessoa que faz parte da comunidade acadêmica e deseje contribuir com esse diagnóstico. Concebido como uma forma de contribuir para uma ação mais integrada dos GTs e dos gestores das diferentes instituições, o objetivo do documento é traçar uma avaliação das políticas atualmente existentes nas universidades que favoreçam e incentivem o ingresso e permanência das mulheres, especialmente mães, nos quadros da universidade, em todos os níveis, bem como propor metas neste sentido. Para isso, quatro itens foram considerados: 1) equidade de gênero em espaços decisórios, 2) políticas de apoio à parentalidade, especialmente à maternidade, e ao cuidado de pessoas dependentes, 3) políticas de enfrentamento ao assédio e à violência institucional, e 4) ações para o enfrentamento dos estereótipos implícitos. “Esse documento é uma sugestão para cada GT discutir e adaptar junto à sua instituição. E o mais importante é estabelecer prioridades e prazos”, destacou Letícia de Oliveira, coordenadora do GT Mulheres na Ciência, da UFF, e também integrante do Parent in Science.

Entre os elementos considerados no segundo item, que é o mais detalhado no documento, destaca-se a avaliação diferenciada dos currículos das pesquisadoras mães nos editais de financiamento, bolsas, progressão funcional, concursos públicos, processos seletivos e credenciamento de docentes nos programas de pós-graduação. As creches universitárias, auxílios creches e para filhos/dependentes com necessidades especiais, assim como a presença de fraldários, ludoteca e espaços para crianças nas instituições, são outros pontos relevantes que compõem o diagnóstico e as metas interinstitucionais. Outro aspecto elencado como fundamental é a discussão de políticas pautadas na diversidade, que levem em conta as desigualdades étnico-raciais, as especificidades das famílias monoparentais, homoafetivas ou compostas por pessoas transgêneras e que incluam formas de apoio ao cuidado de idosos dependentes, pessoas com deficiência ou com transtornos mentais.

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