O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) brasileiro aprovou esta semana uma resolução determinando que cartórios convertam uniões civis entre pessoas do mesmo sexo em casamento.
A decisão segue o reconhecimento das uniões estáveis promovida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 2011. Para o ministro e presidente do STF, Joaquim Barbosa, que também preside o CNJ, a resolução remove “obstáculos administrativos de uma decisão do STF que é vinculante”. A medida foi prontamente criticada pelo deputado federal João Campos, líder da bancada evangélica no Congresso, que a chamou de “absurda” e considerou como mais um gesto de “ativismo judiciário” da Corte Suprema.
“Absurdo é o país oferecer direitos de maneira desigual para os cidadãos, como se houvesse escala de superioridade”, afirma em entrevista ao CLAM a advogada e presidente da Comissão Especial de Diversidade Sexual da OAB, Maria Berenice Dias, que considera a ação do CNJ “altamente positiva” e um reflexo da omissão do Poder Legislativo.
O que a decisão do CNJ representa?
Penso que é uma decisão positiva e muito bem-vinda, que coloca em posição de igualdade as múltiplas possibilidades de conjugalidade. Em segundo lugar, porque dá aos casais gays a garantia de ser feliz. Para todos os efeitos, é uma decisão que sinaliza um avanço social para o Brasil.
Surgiram críticas que julgam a resolução do CNJ como inapropriada, pois fugiria da competência do órgão. Tais vozes argumentam que, para permitir o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, o Congresso teria de aprovar um projeto de lei.
O Conselho Nacional de Justiça é um órgão deliberativo. Ele tem, sim, a competência e a atribuição de agir administrativamente, sobretudo quando não há lei específica sobre o casamento. Portanto, o CNJ nada mais fez do que uniformizar procedimentos, determinando que os cartórios de todo o país convertam uniões estáveis em casamento, quando forem demandados.
Voltando à questão de direitos específicos que decorrem do casamento, como a herança e a adoção. A resolução do CNJ concede automaticamente tais direitos aos casamentos gays?
O casamento, do momento em que é assinado, vale como tal, isto é, se duas pessoas se casam e uma delas morre, a outra se torna viúva automaticamente, o que lhe garante, de imediato, direitos como a herança. Na verdade, a herança está acessível também nas uniões estáveis. NO entanto, a união estável é uma convivência pública e que precisa ser duradoura para ser reconhecida como tal. Agora, em relação à adoção, não faz muita diferença, afinal pessoas solteiras também podem adotar. Conjugalidade não é determinante para casos de adoção. O que se reforça, com essa medida do CNJ, é justamente a crítica à omissão do Estado em legislar sobre o tema.
E é justamente por falta de leis que o Judiciário tem atuado, não? Inclusive sendo criticado por um suposto ativismo…
Exatamente. Temos um Poder Legislativo extremamente omisso em relação a questões como essas, que age prioritariamente em função de conveniências eleitorais. Nesses casos de direitos LGBT, é uma atuação que espelha a homofobia que existe no país, pois os parlamentares se eximem de votar em temas moralmente sensíveis em nome de seus mandatos. Ora, eles estão lá para promover direitos, independente da crença religiosa. Ficamos, assim, com órgãos e poderes agindo em matérias que deveriam ser apreciadas pelo Poder Legislativo.
Semana passada, o Conselho Federal de Medicina autorizou a reprodução assistida para casais gays. No entanto, não temos lei que amplie a possibilidade de registro para além do padrão “pai” e “mãe”. São questões que acabam rolando para o campo do Judiciário, que tem que se pronunciar na falta de lei. Estamos tentando prover a população LGBT com todos os direitos através do Estatuto da Diversidade Sexual, que procura estabelecer regras de direitos de família, sucessório e previdenciário.
Recentemente, a PEC 33/11 gerou polêmica por prever que decisões do STF sejam analisadas pelo Congresso. Como vê tal proposta, que foi patrocinada por setores religiosos críticos a medidas que o Judiciário tem tomado no campo dos direitos sexuais?
Conforme comentei, não se pode esperar muito do Congresso. Em matéria de leis no campo dos direitos LGBT, somos um país muito atrasado. É uma PEC que exorbita a função do Congresso. Não faz sentido colocar a atuação do STF sob análise dos parlamentares. E é curioso como as coisas são: o legislador se omite em relação a certos temas e, quando o Judiciário se pronuncia, esse mesmo legislador quer suspender a decisão.
Leia matéria do CLAM desta semana sobre laicidade e direitos sexuais